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Crise global torna imperiosa a reforma da ONU

Montevidéu, Uruguai, 10/11/2011 – Reinventar a Organização das Nações Unidas (ONU) é crucial para proteger os mais pobres do planeta quando a crise econômica e financeira, os efeitos da variabilidade do clima e a insegurança alimentar impactarem os esforços para alcançar o desenvolvimento. A afirmação é de representantes de governos e da ONU reunidos em Montevidéu para a IV Conferência Intergovernamental de alto nível sobre o programa Unidos na Ação, lançado em 2007 para maximizar a eficiência da cooperação entre os Estados e as agências especializadas das Nações Unidas.

“Há grandes desafios pela frente, e vimos que não só os países pobres são cada vez mais ameaçados por diferentes acontecimentos, como a mudança climática, mas que também temos sócios (doadores) cuja paisagem geográfica está mudando”, disse aos jornalistas a vice-secretária-geral da ONU, Asha-Rose Migiro. “Não podemos continuar como sempre, como se nada acontecesse”, acrescentou.

Por sua vez, a administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Helen Clark, disse que “é verdade que a ajuda oficial ao desenvolvimento em nível global chegou praticamente ao seu limite devido à crise econômica”. Muitos países doadores foram obrigados a diminuir sua ajuda, e só alguns puderam aumentá-la, como Austrália, Dinamarca e Grã-Bretanha.

Clark reconheceu que a situação no Norte industrial, com a severa crise da Grécia e as dificuldades de déficit dos Estados Unidos e do Japão, tem impacto nos programas destinados ao Sul. “Muitos países em desenvolvimento têm um enfoque de crescimento econômico baseado nas exportações, e isso depende em grande parte dos mercados do mundo industrializado”, alertou.

Às reduções em razão da crise econômico-financeira somam-se outros motivos políticos, como a decisão tomada em outubro por Washington de reter US$ 80 milhões anuais que entregava à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por esta ter admitido a Palestina como membro pleno. “É algo que acompanharemos de perto”, declarou Asha-Rose sobre o caso. “Estamos conscientes de que afetará nosso trabalho, mas esperamos que todos façamos o melhor para garantir que o bom trabalho que se realiza, e que os Estados-membros querem que continue, não seja afetado”, acrescentou.

O Uruguai, cujo governo organizou a conferência que realizada entre 8 e 10 deste mês, em Montevidéu, da qual participam representantes de mais de 30 nações, é um dos oitos países que aplicam o programa-piloto Unidos na Ação. Os outros são Albânia, Cabo Verde, Moçambique, Paquistão, Ruanda, Tanzânia e Vietnã. Nos últimos anos, outros 20 países iniciaram um trabalho semelhante, baseado neste modelo.

Asha-Rose admitiu que a crise econômica e financeira mundial está se fazendo sentir no programa, mas destacou que este se torna cada vez mais necessário e seus resultados são animadores. A reforma da ONU “não tem volta”, assegurou. “Sabemos que os países atravessam um período difícil de crise econômica, preços do petróleo e insegurança alimentar, e isto, até certo ponto, afeta o trabalho que fazemos. Por isso, nos concentramos em como fazer bom uso dos recursos e obter resultados, porque no final das contas é isso que importa”, ressaltou.

O Unidos na Ação “demonstrou enormes êxitos nesse sentido. Pudemos fazer com que os países se unifcassem internamente. Não podemos permitir que os pobres do mundo, que sofrem tanto pela crise econômico-financeira, fiquem ainda mais relegados”, alertou Asha-Rose. “Por meio deste programa, podemos otimizar nossos recursos e maximizar nosso impacto. Os resultados são claros: muitas vidas são salvas graças a uma melhor atenção nutricional e de saúde, mais crianças vão à escola, menos famílias ficam presas na pobreza e há maior igualdade de gênero”, destacou.

A vice-secretária-geral da ONU também enfatizou a importância da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro, em junho do ano que vem. “Há 20 anos, a Cúpula da Terra, no Brasil, colocou o mundo em um caminho verde. Em 2012, também no Rio, teremos nova oportunidade de fazer com que o mundo tome um curso mais verde, próspero, equitativo e sustentável”, afirmou. “A Rio+20 é de crucial importância. Precisamos que a conferência seja um sucesso. Necessitamos das contribuições do sistema de desenvolvimento da ONU nos próximos meses”, advertiu.

Na abertura do encontro em Montevidéu, o presidente uruguaio, José Mujica, destacou a importância de uma ONU fortalecida e com legitimidade para combater as desigualdades. “A globalização está impondo a construção de gigantescas unidades. Para lá navega o mundo, aos tombos, e precisamos dar força e mais força, força de direito e de realidade, a instituições como a ONU, que possam amparar os fracos”, afirmou o mandatário. “Globalização não é o mesmo que igualdade, não é igual a justiça, não é igualdade de direitos. Há muita humanidade relegada desejando subir no trem da civilização que inventamos. Os pobres não precisam de dó, mas de ferramentas intelectuais em suas mãos e seus cérebros para fazerem por si só”, acrescentou.

O chanceler uruguaio, Luis Almagro, citou na abertura do encontro uma frase do herói nacional do Uruguai, José Artigas: “Que os mais infelizes sejam os mais privilegiados”. “Peço que em seus discursos tenham em conta este princípio, e que nossos irmãos e irmãs mais infelizes da Terra, estejam onde estiverem, sejam os mais privilegiados entre todos pelas políticas de cooperação internacional que criarmos”, afirmou. Envolverde/IPS