Washington, Estados Unidos, 9/9/2013 – Apesar do perigo de os Estados Unidos lançarem um ataque militar contra a Síria, aliada do Irã, Washington e Teerã parecem estar se preparando para reiniciarem as conversações nucleares. Analistas de política externa dos Estados Unidos estão fazendo muito barulho desde que, no dia 4 de agosto, assumiu o novo presidente do Irã, Hassan Ruhani, que poderia forjar uma nova era na diplomacia iraniana e nas relações internacionais.
“Como arquiteto do único acordo nuclear entre Irã e Ocidente – um êxito que não pode ser desprezado porque a desconfiança é grande –, Ruhani apresenta uma possibilidade real de concretizar avanços nas conversações nucleares”, opinou à IPS Ali Vaez, especialista em política iraniana no International Crisis Group. Durante o governo de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013), “embora as duas partes tenham se sentado à mesa, uma jogava xadrez e a outra jogava damas. No de Ruhani é mais provável que joguem o mesmo jogo, embora seguindo regras diferentes”, disse Vaez. “Para terem êxito, as duas partes precisam fazer o que nunca fizeram realmente durante os últimos anos: negociar”, destacou.
O anúncio feito por Teerã, no dia 5, de que as negociações sobre seu programa nuclear já não seriam conduzidas pelo Conselho Supremo de Segurança Nacional, mas pelo ministro de Relações Exteriores, Javad Zarif, educado no Ocidente, foi recebido pela Casa Branca com cautelosa aceitação. A porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, disse, no mesmo dia, que os Estados Unidos tinham conhecimento dessa mudança. “A posse do presidente Ruhani apresenta uma oportunidade para que o Irã atue com rapidez para resolver as profundas preocupações da comunidade internacional em torno de seu programa nuclear”, declarou.
A designação de Zarif pode fazer aumentar a certeza, que aparentemente vai aumentando em Washington, de que Ruhani é alguém com quem se pode trabalhar. Como embaixador de seu país na Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2002 e 2007, Zarif fez amigos poderosos, como os então senadores norte-americanos Dianne Feinstein, Joe Biden e Chuck Hagel. Mas seus contatos com diplomatas dos Estados Unidos remontam aos anos 1980, quando ajudou a negociar a libertação de reféns desse país no Líbano.
“Zarif é uma das pessoas mais preparadas e divertidas que conheci em minha vida profissional, e não creio que pense que convém ao Irã ter armas nucleares”, disse o especialista em políticas atômicas Goerge Perkovich, em uma entrevista coletiva, também no dia 5, no Carnegie Endowment for International Peace. Porém, alertou que Zarif também é um negociador “formidável que, ao contrário de alguns de seus predecessores, não é nem bobo nem ideológico”.
Perkovich acrescentou que, “assim, teremos que ser agudos em nosso jogo, porque, se alguém tentar fazer coisas que sejam injustas e desequilibradas, eles simplesmente poderão nos dar uma surra retórica”. Embora não haja data marcada, as negociações entre Irã e o grupo P5+1 (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia mais Alemanha) podem recomeçar este mês. Resta saber como poderiam ser afetadas por uma ação militar dos Estados Unidos contra a Síria.
Para Vaez, “o mais provável é que um ataque limitado dos Estados Unidos sobre a Síria atrase, mas não tire dos trilhos, as conversações com o Irã”. Nas prioridades da agenda de Ruhani estão a maltratada economia e o isolamento de seu país, assim, não permitiria que a Síria “prejudicasse” seu plano, acrescentou. “Perder a Síria pela oportunidade de conseguir um alívio das sanções seria um duplo golpe para os interesses estratégicos do Irã e para a agenda de seu novo presidente”, ressaltou.
Ao contrário dos setores iranianos de linha dura, Ruhani não culpa pessoalmente os rebeldes da Síria pelo suposto ataque com armas químicas do dia 21 de agosto, tendo declarado que o assunto deveria ficar no âmbito da ONU, e alertou contra uma ação militar estrangeira. “O Irã, como já disse, considera que toda ação contra a Síria não só prejudicará a região como também os aliados dos Estados Unidos, e acredita que tal medida não beneficiará ninguém”, declarou Ruhani na 14ª Cúpula da Assembleia de Especialistas, realizada no dia 4.
A delicada posição do Irã em relação à Síria, uma sócia de longa data no bloco de resistência a Israel, pode levar Teerã a se afastar de Damasco a fim de concretizar seus principais interesses. “A Síria se tornou o Vietnã do Irã, e o amplo uso de armas químicas de Bashar al Assad, amoral e estúpido por partes iguais, aumentou o dilema de Teerã”, disse em entrevista à IPS Mark Fitzpatrick, especialista em não proliferação, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos.
“A direção está dividida sobre a resposta adequada. Os de linha dura redobram seu apoio incondicional a Assad, enquanto Ruhani e outros pragmáticos se distanciam. Essas divisões significam que o Irã não responderá militarmente a um ataque dos Estados Unidos, embora o fluxo de armas iranianas possa aumentar, se restarem pistas de pouso sírias depois dos bombardeios com mísseis Tomahawk”, ponderou Fitzpatrick. “O desastre que o presidente Barack Obama tem em suas mãos em relação à Síria não é nada comparado com o que deixou para Ruhani seu ‘aliado’ em Damasco. Qualquer solução real para o caos sírio terá que envolver atores externos, entre eles o Irã”, acrescentou.
No momento Ruhani e Zarif parecem estar cumprindo a política de “interação construtiva com o mundo”, que o mandatário definiu em sua primeira entrevista coletiva. A surpreendente saudação pelo Ano Novo hebreu (“Quando o sol está por se ocultar aqui em Teerã, desejo a todos os judeus, especialmente aos judeus iranianos, um abençoado Rosh Hashaná”) que Ruhani transmitiu pelo Twitter no dia 4, foi seguido por uma semelhante de Zarif (em sua segunda postagem oficial pelo Twitter).
Zarif também disse à filha de Nancy Pelosi, líder da minoria na Câmara de Representantes dos Estados Unidos, que não confundisse seu governo com o de seu antecessor. “O Irã nunca negou (o Holocausto)”, publicou Zarif no Twitter, em resposta a um pedido de Christine Pelosi para “acabar com a negação do Holocausto por parte do Irã”. E Zarif respondeu dizendo que “o homem que era visto como negando-o já se foi. Feliz Ano Novo”.
A possibilidade de o Congresso aprovar mais sanções contra o Irã nestes momentos críticos e os persistentes efeitos negativos de décadas de desconfiança mútua entre Teerã e Washington reduzem as esperanças de uma resolução rápida para a questão nuclear, independente do que ocorrer na Síria. Os temores dos Estados Unidos e de Israel de que o Irã consiga capacidade para fabricar uma arma nuclear em 2014, segundo as avaliações mais catastróficas, também dão lugar à urgência em Washington.
Até agora, a inteligência norte-americana acredita que o Irã não tomou a decisão de fabricar armas atômicas. “Então, o assunto não é se o Irã tomará a decisão em 2014. Não sabemos se o fará ou se quer fazê-lo, e o mais provável é que não o faça, mas poderia”, apontou Colin Kahl, alto assessor do Pentágono para assuntos do Oriente Médio durante o primeiro governo de Obama, em conversa com a IPS na conferência do Carnegie Endowment for International Peace.
“Do ponto de vista norte-americano, este é o último momento em que a comunidade de inteligência pode ajudar o presidente e dizer: chefe, nós saberemos quando (os iranianos) passarão às armas nucleares”, pontudou Kahl. “Se perdermos a capacidade de detectar (quando o Irã decidir obter a bomba), a capacidade de prevenir as armas nucleares diminui drasticamente, e então a opção militar se descarta… se estou certo… Seja qual for a avaliação, e considerando que esse é o tempo que temos para conseguir um acordo diplomático, isso significa que contamos com 12 a 18 meses. Assim, mãos à obra”, assegurou. Envolverde/IPS