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Crise na Síria ameaça anular o desenvolvimento do mundo árabe

 

 O governo da zona do Curdistão no Iraque recebeu mais de 200 mil refugiados sírios no acampamento de Kawrgosik, perto de Erbil. Foto: UN Photo/Eskinder Debebe

O governo da zona do Curdistão no Iraque recebeu mais de 200 mil refugiados sírios no acampamento de Kawrgosik, perto de Erbil. Foto: UN Photo/Eskinder Debebe

 

Nações Unidas, 21/1/2014 – Os conflitos militares e a violência generalizada na Síria, no Iraque e no Líbano, entre outros territórios em crise, custaram a vida de milhares de pessoas e devastaram economias frágeis, e também ameaçam o velho plano da Organização das Nações Unidas (ONU) para erradicar a fome e a pobreza extremas no mundo.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), principal agência da ONU encarregada de supervisionar o desenvolvimento humano, indica que a agitação política, também em países como Líbia, Tunísia e Egito, ameaça o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), especialmente no mundo árabe.

“A crise na Síria é uma crise para o desenvolvimento da região árabe”, afirmou Sima Bahous, presidente do Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas para os Estados Árabes. A Síria sofre fortes retrocessos em seu desenvolvimento humano, em particular na educação, alfabetização, saúde e expectativa de vida, e também é vista como um dos países responsáveis por desencadear o caos econômico regional.

Yasmine Sherif, conselheira especial de associações estratégicas e mobilização de recursos no Escritório Regional do Pnud para os Estados Árabes, disse à IPS que o conflito sírio fez retroceder em 35 anos os êxitos de seu desenvolvimento humano. Mais de 50% de seus 12,6 milhões de habitantes vivem na pobreza, 9,3 milhões precisam de assistência humanitária e de desenvolvimento, enquanto 6,5 milhões tiveram que abandonar suas casas, detalhou a conselheira, com base em um informe do Pnud divulgado em setembro.

A crise também obrigou cerca de 2,3 milhões de pessoas a fugirem da Síria para os países vizinhos, segundo esse estudo. Destas, 80% não vivem em acampamentos de refugiados, mas em comunidades de acolhida, o que afeta gravemente os serviços municipais e sociais, como saúde, educação, saneamento, moradia e infraestrutura socioeconômica, bem como a coesão social dessas localidades.

Yasmine explicou que o Pnud aplica uma estratégia de desenvolvimento baseada na capacidade de recuperação (meios de vida, capacitação profissional, emprego rápido, reabilitação básica) para as pessoas afetadas pela crise na Síria e as comunidades de acolhida nos países vizinhos.

A necessidade total do Pnud chega a US$ 166 milhões na sub-região, dos quais US$ 138 milhões se referem ao Plano de Resposta Rápida da ONU e ao Plano de Resposta e Assistência Humanitária da Síria, ambos preparados pelo sistema da ONU para uma conferência de doadores realizada na semana passada no Kuwait. Esse encontro arrecadou mais de US$ 2,4 bilhões de países doadores, além de US$ 400 milhões de organizações não governamentais.

Questionada sobre como serão desembolsados os fundos, Yasmine disse à IPS que a ONU identifica as prioridades e depois os doadores prometem fundos para as mesmas. Mas, às vezes, os próprios doadores sugerem as urgências, afirmou. “O que o Pnud e outros órgãos no Kuwait apresentam se baseia nas necessidades e prioridades identificadas no país”, pontuou.

Entre os organismos que buscam financiamento estão o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a Organização Mundial da Saúde, o Escritório do Alto Comissariado para os Refugiados, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Médio.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que presidiu a conferência de doadores, advertiu que o conflito, que já dura quase três anos, “fez a Síria retroceder anos, inclusive décadas”. As consequências negativas também “prejudicam a estabilidade e anulam os avanços do desenvolvimento em toda a região”, alertou.

Indiretamente, o conflito sírio desencadeou violência interna nos vizinhos Iraque e Líbano. Um estudo conjunto do Banco Mundial e da ONU citado por Ban afirma que o conflito reduziu o crescimento econômico no Líbano quase 3% ao ano, com um total de perdas de US$ 7,5 bilhões. Na Jordânia, o custo de acolher os refugiados sírios pode passar de US$ 1,5 bilhão. Turquia e Iraque também sofreram as consequências dessa situação.

Por sua vez, Bahous afirmou que o impacto da crise síria “transcende de longe a trágica e terrível mortandade e destruição generalizadas nesse país, já que também está desacelerando o progresso da região em matéria de desenvolvimento”.

O informe do Pnud acrescenta que a atividade econômica desacelerou no Egito, na Tunísia e no Iêmen, três países que experimentam transições políticas complexas. Essa agência alerta que, embora a região árabe tenha avançado em muitos dos ODM, como redução da fome e da pobreza, o progresso foi frustrado pelo “impacto generalizado do conflito que ocorre na Síria”.

A subsecretária-geral da ONU, Valerie Amos, que encabeça as operações de emergência, explicou que o PMA precisa de US$ 100 milhões para fornecer alimento a mais de quatro milhões de sírios, apenas para um mês. E o UNFPA precisa de US$ 10 milhões para fornecer a 2,8 milhões de pessoas serviços essenciais na área da saúde reprodutiva nas nove províncias da Síria.

Amos também disse aos doadores, no dia 15, que quase toda a população síria está afetada pela crise, com queda de 45% do produto interno bruto e a depreciação do valor da moeda nacional em 80%. Envolverde/IPS