Havana, Cuba, 27/7/2012 – O presidente de Cuba, Raúl Castro, reiterou sua disposição de discutir com os Estados Unidos sobre qualquer tema, incluídos os direitos humanos, mas desde que “em igualdade de condições” e em um clima de respeito mútuo, porque o país “não é colônia de ninguém”. “Quando quiserem, a mesa estará pronta (para sentar e dialogar), já lhes disse por meio dos canais diplomáticos”, afirmou Castro ao falar em um improvisado discurso durante a comemoração do Dia da Rebeldia Nacional, na cidade de Guantânamo, a mais de 900 quilômetros de Havana.
De surpresa, Castro pegou o microfone “para saudar os guantanameros”, quando já estava por terminar o ato oficial dedicado ao 59º aniversário do ataque ao quartel Moncada, ação armada liderada por Fidel Castro que, apesar de fracassada, é tida como o início da insurreição que o levou ao poder em 1º de janeiro de 1959. “Discutiremos tudo o que quiserem, mas também sobre os Estados Unidos e seus aliados da Europa ocidental fundamentalmente”, acrescentou, esclarecendo nesse sentido que a agenda de algumas hipotéticas conversações devem incluir assuntos como democracia, direitos humanos ou liberdade de expressão também nesses países, para estarmos “parelhos’.
O mandatário, irmão mais novo de Fidel, defendeu “a vocação pacífica” de Cuba, que gosta de “fazer amizade com todos, incluindo os Estados Unidos”, e fustigou “alguns grupelhos que não estão fazendo outra coisa a não ser criar as bases, aspirando que aqui ocorra o que aconteceu na Líbia ou o que querem fazer na Síria”. “Se querem (os Estados Unidos) uma confrontação conosco, que seja no beisebol ou em qualquer outro esporte, no mais, não”, afirmou Castro, alertando que seu país permanece com sua “cavalaria pronta”, em referência à doutrina militar de “guerra de todo o povo”, inspirada em experiências próprias e de outros países, como o Vietnã.
“Não queremos causar dano a ninguém, mas aqui todos sabemos o que se deve fazer em cada circunstância”, acrescentou Castro, que em mais de uma ocasião fez propostas públicas de diálogo com Washington desde que Barack Obama, do Partido Democrata, chegou à Casa Branca, em janeiro de 2009. Obama vai disputar a reeleição em novembro, e analistas norte-americanos e cubanos consideram difícil um giro para a aproximação com a ilha durante o período pré-eleitoral, embora não descartem isso se o presidente for reeleito.
As relações bilaterais passam por uma etapa de maior tensão devido às fracassadas demandas de Washington para que seja libertado em Cuba o norte-americano Alan Gross, condenado a 15 anos de prisão, enquanto Havana pede o indulto presidencial para cinco agentes cubanos presos nos Estados Unidos. Gross foi detido em 3 de dezembro de 2009, em Havana, onde trabalhava para uma empresa contratada, entre outros, pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e condenado por crimes “contra a independência ou a integridade territorial cubana”.
Já os cubanos René e Fernando González (não são irmãos), Antonio Guerrero, Gerardo Hernández e Ramón Labañino foram presos em 12 de setembro de 1998, nos Estados Unidos, e condenados a duras penas de prisão sob acusação de conspiração para espionagem contra Washington – o que Cuba rechaça – entre outras acusações. Hernández foi sentenciado a dupla prisão perpétua, enquanto René já cumpriu sua condenação no final do ano passado, mas é obrigado a permanecer em território norte-americano sob regime de liberdade supervisionada.
Cuba os defende como lutadores contra ataques violentos contra a ilha e garante que viajaram aos Estados Unidos desarmados e com a única intenção de vigiar a rede de “grupos terroristas” contrários ao governo de Castro. Havana considera os grupos da dissidência interna parte da política hostil de Washington em relação a Cuba.
As palavras pronunciadas por Castro ontem aconteceram depois da declaração da Casa Branca condenando a detenção de dissidentes no dia 24, durante os funerais de Oswaldo Payá, coordenador-geral do opositor Movimento Cristão Libertação, morto no dia 22 em um acidente rodoviário. Junto com ele estavam outro cubano dissidente, Harold Cepero Escalante, que também morreu, o sueco Jens Aron Codig e o espanhol Ángel Carromero, que tiveram ferimentos leves. Autoridades cubanas disseram que estão sendo investigadas as causas do acidente.
Familiares de Payá garantem que um caminhão foi de encontro ao automóvel, que, segundo meios de comunicação espanhóis, era dirigido por Carromero, enquanto Elizardo Sánchez, da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, disse à IPS que para o esclarecimento do caso é crucial o testemunho dos sobreviventes.
A festividade nacional de 26 de julho é considerada a mais importante de Cuba e por anos foi aproveitada por Fidel para informar sobre a situação tanto do país com da província sede das comemorações, e também repassar o contexto internacional, por isso costumava criar expectativas diversas entre a população. Em 2006, após a comemoração, o líder histórico ficou gravemente doente e deixou o comando provisoriamente para Raúl Castro, que em 26 de julho de 2007 fez uma análise crítica da situação do país e falou de “introduzir as mudanças estruturais e de conceitos que forem necessárias” para aumentar a produtividade do trabalho.
Nos meses seguintes, esse discurso foi alvo de debates populares em bairros, locais de trabalho, organizações políticas e de massa, cujo resultado serviu de base para a elaboração das “diretrizes da política econômica e social do partido e da Revolução”, que regem o processo de reformas em curso para encaminhar a economia. Raúl Castro, eleito presidente em fevereiro de 2008, ocupou a tribuna novamente nesse ano e em 2009, mas em 2010 rompeu com a tradição e cedeu o microfone ao vice-presidente de Cuba, José Ramón Machado Ventura, pegando de surpresa praticamente o país inteiro. O mesmo fez em 26 de julho de 2011 e também ontem. Envolverde/IPS