Miami, Estados Unidos, julho/2012 – A chegada a Havana, no dia 11 de julho, do Ana Cecilia, um pequeno cargueiro de conveniência com bandeira da Bolívia (que não tem mar), procedente de Miami, se insere na história tormentosa das relações entre Estados Unidos e Cuba.
O detalhe novo é que a carga se compõe basicamente de doações do exílio cubano para seus familiares. Assim, será suavizada a pressão dos voos fretados de várias cidades dos Estados Unidos, e se reduzirá consideravelmente o custo.
Nesse contexto, já se fala das expectativas sobre se o presidente norte-americano, Barack Obama, chegará a colocar fim ao embargo. Não é a primeira vez que se comenta esse aparentemente irrealizável projeto, nem será a última.
O embargo serve de pretexto para as duas partes. Para Washington, como relíquia acessível de sua hegemonia na América Latina; para Havana, convertendo o “embargo” em “bloqueio”, como desculpa pelas carências socioeconômicas do regime.
É certo que a vigência do embargo evita que a atracação de um simples navio mercante ultrapasse limites geopolíticos. A história recorda que nesses mesmos portos explodiu o encouraçado Maine, em 1898. Os Estados Unidos manipularam o acidente, provavelmente causado por um incêndio interno, e exigiram o fim do regime colonial espanhol.
Dias depois, a frota espanhola foi destroçada em Santiago de Cuba. O presidente do governo espanhol, Antonio Cánovas del Castillo, prometera lutar “até o último homem e a última peseta”.
Foi a confirmação de hegemonia dos Estados Unidos na América, cumprindo por fim a Doutrina Monroe. Meio século depois, a oposição à Revolução Cubana e a imposição do embargo foram o lógico capítulo seguinte.
Porém, resulta que, apesar do embargo e de seus suplementos, os Estados Unidos se converteram no sexto sócio comercial de Cuba, mediante o subterfúgio da venda de mercadorias sob o pagamento à vista.
Em importações cubanas só são superados por Venezuela, União Europeia, Canadá, Brasil e China. Em exportações, os Estados Unidos são superados apenas por China, Canadá, União Europeia, Venezuela e Guiana. Em alimentos, os Estados Unidos já são o primeiro fornecedor de Cuba.
No dia 31 de janeiro, foram recordados os 50 anos desde que Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA), em uma reunião de grande repercussão realizada em Punta del Este. Ao final de febris negociações arrecadando votos, o secretário de Estado, Dean Rusk, conseguiu a “colaboração” de Papa Doc (François Duvalier) do Haiti, graças ao pagamento da construção de um aeroporto em Porto Príncipe.
Acontece que, desde então, os irmãos Castro têm como grande orgulho a expulsão. Em uma recente tentativa para seu reingresso, todos os protagonistas do hemisfério estavam de acordo… Menos Cuba e Estados Unidos.
Alguns dias depois, em 3 de fevereiro de 1962, o presidente John Kennedy assinava uma lei, baseada em legislação da Primeira Guerra Mundial referente a um embargo contra o “inimigo”, na qual se dava o toque final a um embargo total contra Cuba, que até então era feito de maneira escalonada, desde os anos do presidente Dwight Eisenhower.
Assim, Washington respondeu a cada uma das provocações de Cuba com relação ao confisco de propriedades.
Esta decisão fez parte de uma cômica manobra de Kennedy, que revela suas fraquezas pela vida boa. Algumas horas antes de assinar uma nova escalada do embargo parcial, em pleno 1961, pouco depois da Baía dos Porcos, determinou ao seu secretário de imprensa, Pierre Salinger, que comprasse mil charutos cubanos. Legalmente falando, não burlou a lei.
Por sua vez, Fidel Castro havia “ajudado” Washington nas represálias, já que, justamente enquanto se preparava a invasão da Baía dos Porcos, se declarou marxista de toda a vida. Como fez em 1996, quando a lei Helms-Burton para reforçar o embargo não estava segura de receber os votos necessários no Congresso, e decidiu derrubar as avionetas da Irmãos pelo Resgate, que haviam se aventurado em lançar panfletos sobre Havana. O presidente Bill Clinton respondeu de acordo com a partitura.
No contexto das eleições presidenciais de novembro deste ano nos Estados Unidos, é certo que uma das testemunhas externas saberá tirar vantagem: Raúl Castro.
Resumidamente, duvida-se que Obama dê um passo ousado antes da disputa eleitoral diante de seu rival republicano, Mitt Romney. Nada tem a ganhar com o risco e, no momento, algo a perder em passar para a história como o primeiro presidente norte-americano que vacilou diante dos Castro, especialmente enquanto Fidel estiver vivo. Uma vez este tenha desaparecido, seu irmão ou sucessor poderá abrir um novo cenário para acabar com a farsa.
Talvez, então, em lugar de um modesto navio de carga, chegue de Cayo Hueso uma balsa (como nos velhos tempos) com automóveis Honda e Toyota (fabricados em território norte-americano), que substituam os Lincoln, Cadillac e Chevrolet que fazem as delícias dos surpresos turistas no insólito parque temático do centro de Havana. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).