Havana, Cuba, 14/6/2011 – Ganham espaços na vida pública e têm salários iguais aos dos homens. Mas a brecha de gênero no campo profissional ainda é um desafio para as mulheres em Cuba, que ganha mais pontos vermelhos com a “atualização” do modelo socioeconômico empreendida pelo governo de Raúl Castro.
“Não sei o que fazer”, disse à IPS uma moradora de Havana, de 53 anos, que pela primeira vez na vida se viu sem a segurança do emprego estatal. Outra mulher, de 39 anos e com alta qualificação, lembra os tempos em que buscou trabalho de executiva no setor turístico: “não fui comunicada, mas me contaram que não consegui o lugar por ter uma filha pequena”.
Como em toda a cideade, apesar de constituir gerações muito preparadas, as mulheres cubanas continuam a saga nos setores da economia de maior estabilidade e remuneração monetária, afirma a socióloga Mayra Espina Prieto em seus estudos sobre pobreza para o Centro de Pesquisas Sociológicas e Psicológicas.
Segundo fontes oficiais, elas recebem salários que ficam entre 80% e 85% dos que são pagos aos homens, por razões como menor quantidade de dias trabalhados por dedicá-los ao cuidado da família, sobretudo da infância e da terceira idade.
Eles são maioria nos postos executivos em empresas mistas com capital estrangeiro, no setor do turismo e em boa parte das opções de trabalho que incluem possibilidades de acesso a gratificações em divisas. Elas podem estar mais capacitadas, mas costumam ocupar cargos de direção intermediários.
O trabalho feminino remunerado se concentra fundamentalmente no setor estatal e civil, onde abarcam 42,7% do total, e chegaram, em 2009, a 59% do pessoal da administração, segundo o Escritório Nacional de Estatísticas (One). Este panorama representa uma etapa que termina, depois da aprovação de políticas descentralizadoras para redesenhar o sistema econômico do país no VI Congresso do Partido Comunista, realizado em abril. O emprego estatal, desde 2010, passa por um importante processo de reajuste. Apesar de o presidente Castro afirmar no parlamento que “evitará qualquer manifestação de favoritismo, bem como de discriminação de gênero ou de outro tipo” nesta medida, a situação de desvantagem que cerca a mulher fez acender o alerta vermelho entre a comunidade especializada na temática e no ativismo da cidadania.
“Não vejo como o autoemprego poderá oferecer muitas garantias para a segurança das pessoas que ficarem sem trabalho, e a maioria será de mulheres”, disse à IPS Zulema Hidalgo, do não governamental Grupo de Reflexão e Solidariedade Oscar Arnulfo Romero (OAR).
As mulheres representam cerca de 30% das pessoas que optam pelo trabalho por conta própria em Cuba, mantêm-se em ofícios considerados femininos e com possibilidades limitadas de renda, são vendedoras ou trabalhadoras contratadas e quase nunca aparecem como donas dos negócios familiares.
A partir de sua experiência no acompanhamento de comunidades desde 1994, Hidalgo diz que elas “devem começar a lutar” se querem avançar com iniciativas privadas. A seu ver, precisam de mais liberdade no comércio e conhecimentos sobre como vender um produto ou entrar em determinado mercado. A elevada carga de trabalho doméstico que assumem e a responsabilidade pelo cuidado da família são limitadores de sua participação na economia.
De fato, Hidalgo defende visualizar o número crescente de mulheres que devem deixar seu emprego para cuidar de doentes ou dos filhos pequenos, e também as donas de casa. As cubanas dedicam mais de 34 horas, em média, por semana com afazeres domésticos, enquanto os homens destinam cerca de 12 horas semanais para esse fim, sobretudo em tarefas de apoio, segundo pesquisas feitas no país.
Em todos os lugares, elas costumam inserir-se na economia fundamentalmente por meio do emprego, a via de subsistência atual com maior instabilidade e menor renda, explicou María Ángeles Sallé, especialista espanhola em temas de política de igualdade que visitou Havana no começo do ano. “As mulheres fazem dois terços do trabalho executado em todo o mundo, recebemos 10% da renda e temos 1% da propriedade”, disse Sallé em conversa com a IPS.
Sallé sempre usa dados da Organização das Nações Unidas para refletir sobre a falta de igualdade de gênero nessa área. “A questão não está em incorporá-las mais ao trabalho: trabalham o tempo todo”, afirmou. Para a socióloga, as metas mais urgentes são conquistar setores importantes da economia, que atualmente se transferem para o mundo dos negócios e ressentem o emprego, e redistribuir as tarefas na vida doméstica.
Em Cuba, as possibilidades trabalhistas estatais se concentram agora na agricultura, um espaço onde a população feminina tem mínima participação. Segundo a One, apenas 3,2% das pessoas contratadas na agricultura, caça, silvicultura e pesca eram mulheres. Mais de 11 mil mulheres se beneficiam no momento de um processo de entrega de terras ociosas em usufruto, iniciado em 2008 como parte de uma reforma para reativar o setor agropecuário.
Dilcia García, da Associação Cubana de Produção Animal, em conversa com a IPS defendeu “ações para resolver ou reduzir as brechas de gênero que ainda existem, e vencer obstáculos subjetivos”, para alcançar maior incorporaçao feminina na vida econômica rural. “Em todos os setores do país, temos uma cultura patriarcal e no nosso (o trabalho agropecuário) talvez seja um pouco mais forte”, afirmou Dilcia. Em sua organização, de caráter civil, apenas 30% são mulheres, entre cerca de 36 mil integrantes. Envolverde/IPS