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Cubanas ocupam o palco da autogestão econômica

A atualização do modelo econômico impacta de maneira diferente homens e mulheres. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 4/9/2012 – Beatriz Lemes demorou a se decidir e finalmente aceitou, “com muito medo”, assumir a chefia de uma empresa que caminha para a autonomia financeira, sistema que se estende em Cuba e que, entre outras coisas, coloca à prova as capacidades femininas. “O autofinanciamento pode funcionar, mas é preciso mudar a mentalidade das pessoas. É preciso sentir seu trabalho como sendo seu”, explicou Beatriz, subdiretora econômica da Estação Territorial de Engenharia Agrícola nas províncias de Mayabeque e Artemisa, ambas vizinhas de Havana.

Agora, com “mais responsabilidades, exigências e tensões”, esta contadora, com 30 anos de experiência profissional, prevê novos desafios para seu coletivo quando no começo de 2013 sua empresa deixar de integrar o orçamento do Estado. “Minhas trabalhadoras estão preparadas, mas para nós é mais difícil por causa do peso da família”, disse Beatriz à IPS. As reformas na economia, iniciadas em 2007, impactam de maneira diferenciada mulheres e homens.

“Embora as medidas adotadas não sejam discriminatórias de gênero, não constituem, necessariamente, oportunidades para as mulheres”, afirmam as pesquisadoras Dayma Echevarría e Teresa Lara. Há mais de 50 anos os cubanos participam de uma economia estatizada em sua maioria, que o governo de Raúl Castro vem transformando desde 2007. Por isso, são redefinidas, entre outras, as políticas de assistência social e o papel do Estado, que antes garantia pleno emprego e salários básicos por rendimento produtivo.

O Escritório Nacional de Estatísticas em Informação (Onei) registrou 2.514 centros financeiros no orçamento estatal de 2010, dentro das 11.857 entidades econômicas do país. O número caiu no ano seguinte, quando 2.455 das 10.963 unidades recebiam fundos públicos. Também são feitos experimentos em várias empresas estatais para dotá-las de maior autonomia. Divorciada, com 49 anos e duas filhas adultas, Beatriz acrescentou que outra condicionante para aceitar o posto de subdiretora foi não ter “ninguém a seu cargo”. Explicou que, “em certas ocasiões, tenho que ficar trabalhando depois do horário normal e preciso exigir mais do pessoal. Agora eu sou a responsável se tivermos perdas”.

Trabalhar horas extras e dispor de tempo ilimitado são comportamentos “caros para as mulheres, nas quais continua recaindo os papéis de cuidadoras e administradoras da casa e da família”, alertam Dayma e Teresa, em um artigo entregue à IPS, sobre o impacto das reformas na população feminina. Porém, as cubanas com um trabalho remunerado ostentam um nível de instrução superior ao dos homens, destacaram as pesquisadoras. Assim, ao final de março do ano passado, representavam 63% dos ocupados como técnicos e profissionais. Sua elevada formação pode facilitar-lhes o caminho para uma maior independência econômica.

Embora tenha imaginado passar longas jornadas sentada em um laboratório de bioquímica, Lissy Rosabal, de 26 anos, coloca botas de borracha de cano alto vários dias na semana para ir ao campo. “Meu trabalho implica estar ali para avaliar e controlar experimentos sob o forte clima de Cuba. Mas tenho minhas gratificações”, contou à IPS. “As camponesas e os camponeses aprendem comigo e conseguem maior rendimento produtivo. Ao mesmo tempo, aprendo com eles e consigo resultados científicos”, destacou esta pesquisadora do estatal Instituto Nacional de Ciências Agrícolas, em Mayabeque.

Para Lissy, sua profissão tem futuro porque a agricultura é um setor fundamental na reforma econômica. Uma parte de sua renda depende de seu próprio esforço para idealizar um projeto de pesquisa e obter financiamento, explicou. “Tive que aprender algo de gestão econômica. Fazemos desde a concepção científica de um projeto até a elaboração das faturas para compra dos insumos solicitados”, pontuou. Especialistas desse Instituto, que depende do orçamento do governo, aplicam propostas de pesquisa a convocações de fundos e bolsas nacionais e internacionais, que lhes acrescentam algum dinheiro ao seu salário. “Não sinto o risco do desemprego. Porém, este ano está difícil conseguir projetos porque reduziram as convocações”, afirmou.

Por outro lado, as autoridades passam novos espaços para o setor privado. Em 2009, arrendaram as barbearias e os salões de cabeleireiro aos trabalhadores interessados. A lista de atividades permitidas cresceu para 178 em 2010, e os cubanos já poderão alugar pequenos estabelecimentos de serviços gastronômicos. Para o final deste ano pretende-se somar 240 mil novos trabalhadores privados aos existentes na ilha, um item de ampla autonomia econômica onde os rostos femininos continuam sendo minoria. As mulheres representavam apenas 12,5% do universo de 229.205 pessoas autônomas que existiam até setembro de 2011, segundo as últimas cifras detalhadas por sexo.

Dayma e Teresa disseram que “existe um acesso diferenciado aos ativos produtivos, como terras, moradias e de capital”, em detrimento das cubanas. As especialistas acrescentaram que, “ao considerar o nível de instrução médio e alto alcançado pelas mulheres, pode ser que estas atividades sejam pouco atraentes para elas”. Os ofícios permitidos no empreendimento privado compreendem atividades básicas e tradicionais, como elaboração e venda de alimentos, manufaturas, transporte de água e passageiros, serviços de reparos e manutenção de equipamentos, entre outros, onde primam atividades que os especialistas qualificam como “tradicionais masculinas”.

Depois de mais de uma década criando carteiras, Hilda Zulueta aproveitou a ampliação do pequeno negócio e engrossou a lista de 371.200 pessoas com iniciativas próprias até fevereiro deste ano. Sua marca, Zulu, de bolsas de pele feitas à mão, se expandirá quando concretizar sua ideia de uma butique-oficina. Com a crise econômica nascida no começo da década de 1990 e que Cuba ainda sofre, esta professora de matemática começou a recolher, junto com sua família, retalhos de pele jogados fora pela fábrica de calçados de seu bairro, Alamar, em Havana.

Começou em 1992 “com o que tinha em casa e muita imaginação”, contou à IPS. Pouco a pouco foi ganhando experiência, “todos os implementos necessários” e conheceu “um curtidor que facilita seu trabalho”, afirmou. “Não precisei de um capital inicial, algo que atualmente é imprescindível, nem abandonei meu trabalho de professora”, disse Hilda, hoje aposentada e com 61 anos, que vê seu negócio sendo tocado no futuro pelas filhas e netas. Envolverde/IPS