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Cultivos caribenhos resistentes ao clima na prova do sabor

Ramdeo Bondoo planta tubérculos, como batata e mandioca, em sua propriedade de Caroni, em Trinidad. Foto: Jewel Fraser/IPS
Ramdeo Bondoo planta tubérculos, como batata e mandioca, em sua propriedade de Caroni, em Trinidad. Foto: Jewel Fraser/IPS

 

Caroni, Trinidad e Tobago, 24/3/2014 – Ramdeo Boondoo, produtor de tubérculos em Caroni, na ilha de Trinidad, entende melhor do que a maioria o desafio de desenvolver cultivos que sejam tanto resilientes ao clima como comercializáveis. “São os olhos que compram, não o dinheiro”, argumentou Boondoo à IPS. Os cultivos devem resistir aos efeitos da mudança climática, além de terem boa aparência e sabor como as variedades tradicionais.

No entanto, esses produtos exigem décadas de experimentação, que os pesquisadores de Trinidad só agora começam a realizar. “É muito raro obter um cultivo (geneticamente modificado) que seja tão bom como qualquer dos país” da nova variedade, disse Herman Adams, assessor do Instituto Caribenho de Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola (Cardi), com sede em Trinidad e Tobago.

Ao longo dos séculos houve pessoas que desenvolveram variedades populares de cultivos, cortando ramas de variedades antigas e cultivando-as como clones, em um processo conhecido como reprodução vegetativa, explicou Adams à IPS. Porém, desenvolver cultivos resilientes ao clima exige da reprodução sexuada, combinando um cultivo resistente com outra variedade, que tenha um sabor ou uma forma preferível, para produzir uma nova variedade.

“Demora cerca de 20 anos a seleção e polinização cruzada para obter as qualidades organolépticas (as que afetam os sentidos) corretas, incluindo o sabor, que é difícil de recapturar”, explicou o especialista. Ele detalhou que a reprodução sexuada altera a combinação genética parental que dá às variedades tradicionais o sabor agradável.

Boondoo desenvolve uma batata que combina a resiliência ao clima da tradicional variedade pé-de-frango, popular nesse país do Caribe, com a forma homogênea da American Centennial. A pé-de-frango “suporta condições de seca e umidade. Mas não é uniforme, nem em aspecto nem em tamanho”, pontuou o agricultor.

Os fabricantes de produtos agrários, como farinhas feitas de mandioca ou banana, querem cultivos que sejam uniformes não apenas no sabor, mas também na forma, para facilitar o processamento mecânico. A variedade American Centennial tem um aspecto uniforme, mas não atrai a população local, acostumada a batatas com uma consistência mais firme.

Se Boondoo puder desenvolver uma batata que combine as características das variedades de pé-de-frango e da American Centennial, conseguirá atender as necessidades dos processadores de alimentos e, ao mesmo tempo, dar aos consumidores locais mais variedade. Além disso, diminuirão muito suas perdas de cultivos por inundações ou secas.

A presidente da Associação de Agroprocessadores de Tobago, Darilyn Smart, destacou à IPS que “a uniformidade é fundamental para os setores exportador, hoteleiro e de restaurantes”. E acrescentou que, “para exportar para a União Europeia, os produtores devem cumprir requisitos de tamanho, forma, grau de amadurecimento, etc. Os hotéis e restaurantes também exigem produtos consistentes, especialmente se os usam em mesas de banquetes”.

Produzir novas variedades agrícolas que atendam esses padrões exigentes é “um processo longo”, segundo Adams. Implica a polinização cruzada da planta, primeiro em pequena escala e depois, dependendo do resultado inicial, fazer provas de campo em grande escala. Outro objetivo desses ensaios é obter “produtos de alto rendimento e com preços competitivos”, indicou Boondoo.

O Cardi trabalha com agricultores nesses testes de campo para identificar variedades resilientes ao clima que também tenham um bom desempenho no mercado. A ajuda do Instituto inclui formação em boas práticas agrícolas, informou Janet Lawrence, entomologista e líder do programa de agricultura protegida no Cardi. “Quando se cria um bom ambiente mediante boas práticas agrícolas, as variedades podem mostrar seu verdadeiro potencial genético”, explicou Adams. As variedades mais promissoras são depois usadas paras os testes de campo.

Smart garantiu que a Associação de Agroprocessadores de Tobago em breve apresentará seu próprio projeto-piloto para “garantir que os cultivos sejam uniformes, consistentes e livres de enfermidades na maior medida possível”. O projeto dependerá de métodos agrícolas biológicos e orgânicos. Parte do produzido neste projeto será usado por agroprocessadores, que produzirão um material de valor agregado para hotéis e supermercados. “Buscamos exportar os demais produtos para países caribenhos e europeus”, destacou.

O Cardi também administra um banco de germoplasma, onde agricultores podem obter materiais para novas variedades de produtos com maiores rendimentos do que as populares que são cultivadas, disse Lawrence. O banco tem 14 variedades de mandioca e 12 de batata.

Além de desenvolver variedades resilientes ao clima, o Cardi promove o uso de uma agricultura protegida, alterando o ambiente para potencializar os cultivos, a fim de protegê-los das condições meteorológicas adversas ou extremas e de controlar as pestes associadas à mudança climática. Esta agricultura protegida “inclui um processo contínuo, que vai desde o uso de coberturas em fila a estruturas para gerar sombra e complexas estruturas/estufas”, escreveu Lawrence por correio eletrônico.

Mediante seu programa de pesquisa e desenvolvimento da agricultura protegida, o Cardi “busca gerar, validar e transferir as melhores práticas com potencial de melhorar a eficiência e a produtividade das operações da agricultura protegida”, afirmou Lawrence. Os estudos sobre a agricultura protegida incluem avaliações de variedades tolerantes ao calor, coberturas para reduzir as temperaturas dentro de sistemas protegidos, e estratégias de manejo para eliminar pestes.

Também soma o desenvolvimento de estruturas de sombra para excluir as pragas de insetos. O Cardi trabalha com várias organizações locais, regionais e agrícolas para divulgar informação sobre os princípios e as práticas básicos da agricultura protegida, enfatizou Lawrence. Até agora o Instituto capacitou cerca de 200 pessoas e organizações. Envolverde/IPS