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Cultivos combinados contra a mudança climática

As mulheres de Rayagada cuidam dos bancos de grãos da comunidade. Foto: Manipadma Jena/IPS

Rayagada, Índia, 3/5/2012 – Com os cultivos combinados, Harish Saraka redescobriu a chave para a agricultura sustentável nesta localidade do Estado indiano de Odisha, muito dependente das chuvas. Saraka, de 38 anos, disse que não merece todo crédito por ter revertido a agricultura nesta área, que há apenas uma década atraiu as manchetes da imprensa pelo cenário de mortes por inanição. “Tudo o que fizemos foi voltar às práticas de nossos avós”, contou este integrante da tribo kondh. Saraka recorda que seus antepassados cultivavam vários tipos de sementes no mesmo terreno: milho, legumes, oleaginosas e, às vezes, feijão rasteiro.

As 72 famílias kondhs de sua aldeia, Munda, no distrito de Raygada, vivem ao pé das colinas de Niyamgiri, que se estendem ao longo de 250 quilômetros onde ocorrem depósitos de bauxita, que a Vedanta Resources Plc, empresa de mineração de Londres, tenta explorar. “O entorno, o clima e as florestas mudaram drasticamente”, contou Bhima Saraka, de 65 anos, que vive em uma casa com teto de palha junto com 23 familiares. As chuvas, observou, geralmente são irregulares, o que causa perda de cultivos ano após ano, enquanto as famílias kondhs se tornam mais numerosas, o que pressiona as florestas que antes compartilharam com tigres e onde colhiam tubérculos e frutas.

Em 2010, em meio à indignação pública devido a uma onda de suicídios de agricultores pelas más colheitas e os altos juros que deviam pagar por empréstimos feitos para compra de insumos agrícolas, o então ministro da Agricultura, Damodar Rout, admitiu que o setor estava em crise em Odisha. Também afirmou que a agricultura sofre o “impacto da mudança climática, da erosão, da acidez do solo e da redução das águas subterrâneas”.

Para Harish Saraka e outros agricultores de subsistência, que vivem em 70 aldeias de Niyamgiri em Rayagada, adaptar-se às variáveis condições significa voltar a métodos tradicionais como os cultivos combinados, uso de fertilizantes orgânicos e de variedades de sementes confiáveis. Assim, embora a agricultura não vá bem em outras partes de Odisha, nos últimos dois anos Harish cultiva 14 variedades em seu meio hectare de terra, o suficiente para manter a família durante a magra temporada agosto-dezembro. “Agora colho 300 quilos de grãos”, contou, ou seja, 200% a mais do que quando se dedicava apenas a um cultivo, o arroz de alto rendimento.

Na aldeia Kerandiguda, Loknath Nauri, de 58 anos, é o primeiro a testar a agricultura combinada em uma parte de seu terreno de um hectare, que conseguiu por meio de um programa do governo para pobres rurais sem terra. “Ao ver minha boa colheita, outras dez famílias daqui decidiram tentar a sorte este ano”, comentou Nauri, que está pronto para compartilhar suas sementes com os demais.

Segundo Debjeet Sarangi, que encabeça a frente da organização não governamental Living Farms, que trabalha com agricultores marginalizados, “o sistema agrícola dos khonds, antes autossuficiente e baseado nos recursos locais, foi afetado pela introdução do arroz de alto rendimento com fins comerciais”.

Bhima Saraka disse à IPS que há alguns anos os moradores de Munda se dedicavam a plantar sementes de arroz de alto rendimento que o governo entregava gratuitamente junto com fertilizantes químicos. “As sementes eram velhas e muitas não germinaram, enquanto os fertilizantes exigiam água, e nossa única fonte era a chuva”, contou. “Ninguém conseguiu muito com esse presente, a não ser uma lição importante: que suas sementes locais – aclimatadas ao seu solo árido e com maior capacidade de suportar a imprevisível monção – eram seus salva-vidas”, disse Sunamajhi Pidika, da Living Farms.

Para Sarangi, as comunidades tribais, “que tradicionalmente nem cultivavam ou comiam arroz, agora tentam restabelecer sua soberania alimentar”. O estudo “A atribulada produtividade agrícola em uma região economicamente frágil da Índia”, publicado pelo Instituto Indiano de Ciências do Solo, com sede em Bhopal, afirma que a área de pequeno cultivo de milho em Odisha caiu 500% nos últimos 40 anos.

A percepção popular é que as políticas do governo estão impulsionando os cultivos comerciais em detrimento da agricultura de subsistência praticada por comunidades como a de Bhima Saraka. “O governo não coage os povos nativos, simplesmente põe diante de seus olhos opções inteligentes”, disse Nitin Bhanudas Jawale, chefe administrativo do distrito de Rayagada. Entretanto, este mês se decidiu adquirir milho e vendê-lo a preço justo para que os indígenas possam voltar ao seu alimento tradicional, explica Jawale. “O Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU) está colaborando conosco”, acrescenta.

Sarangi disse que, “em debates com anciãos da aldeia, soubemos que há variedades de milho e legumes que podem tolerar o calor e a tensão hídrica”. Prasant Wadraka tem 24 anos e vive na aldeia de Gandili. “Ouvi meu avô falar das 11 variedades de milho que seu pai cultivava”, recorda. Segundo disse, entre as variedades de milho quase extintas está a “kodo”, que tem a propriedade de controlar a diabete. O milho está cheio de proteínas, vitamina B e minerais, informam os nutricionistas.

“O movimento para voltar às sementes tradicionais na Índia é cada vez mais forte”, explicou Sarangi. Em 2008, a Living Farms iniciou um programa para dar sementes a famílias pobres sob a condição de, após a colheita, a mesma quantidade mais um “juro” de 10% serem colocados em bancos de grãos. Esses bancos são simples cestas de bambu seladas que as mulheres da comunidade kondh manejam e abrem apenas em tempos de necessidade.

Bem antes da monção, todas as variedades são plantadas no mesmo terreno. Trata-se de uma combinação de sorgo, variedades de milho e feijões rasteiros, entre outras. Alguns destes cultivos amadurecem em 90 dias e outros em 120 dias. Segundo o agrocientista indiano M. S. Swaminathan, os cultivos combinados – de cereais, legumes, oleaginosas, verduras e forragens – retardam a concentração de pestes provocadas por insetos.

É significativo que as comunidades originárias nunca usem insumos químicos, nem mesmo bombas de irrigação a diesel, e que vendam seus produtos no mercado local. “Seus produtos têm uma pegada de carbono mínima. Diante da iminente crise climática mundial, temos muito que aprender com as comunidades indígenas”, ressaltou Sarangi. Envolverde/IPS

* Este artigo é parte de uma série apoiada pela Aliança Clima e Desenvolvimento (CDKN).