Adis Abeba, Etiópia, 20/8/2013 – Trabalhadores de agências humanitárias na Somália são o alvo de crescentes ataques e agressões por parte do grupo islâmico extremista Al Shabaab e outros homens armados, com o beneplácito de funcionários corruptos. “O governo está cheio de funcionários corruptos e de milícias de clãs aliadas decididas a usar (os trabalhadores humanitários) para seus próprios interesse”, disse o analista Hassan Abukar à IPS.
“O sequestro de trabalhadores estrangeiros se tornou uma forma de tirar dinheiro das organizações não governamentais. O Al Shabaab desconfia delas por medo de perder o controle da gestão da assistência e acredita que as agências o espionam”, explicou Abukar. Nesse contexto, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciou, na semana passada, sua retirada da Somália, onde oferecia assistência e cuidados médicos há duas décadas.
O assassinato e o assédio que sofre o pessoal foi piorando o funcionamento da organização, contou Unni Karunakara, presidente internacional do MSF, em uma entrevista realizada no Quênia, no dia 14. O MSF, uma das poucas agências que davam assistência médica básica neste país do Chifre da África, continuou oferecendo atendimento apesar da guerra civil, dos combates entre clãs rivais e da pirataria, mas decidiu cessar todas as suas operações imediatamente. A organização trabalhava no país desde 1991 e atualmente atendia cerca de 50 mil pessoas por mês.
“A gota d’água foi percebermos que as autoridades, combatentes armados e líderes comunitários apoiavam ativamente ou tacitamente os ataques, os sequestros e os assassinados contra nosso pessoal”, destacou Karunakara. Em alguns casos, as pessoas com as quais o MSF negociou sua livre e segura circulação tiveram um papel no abuso contra seus empregados. “Por culpa de suas ações, centenas de milhares de somalianos perderão efetivamente a ajuda médica humanitária”, ressaltou.
Morreram 16 trabalhadores do MSF. E, além das dezenas de ataques pessoais, foram prejudicadas ambulâncias e instalações médicas desde 1991. A saída do MSF ocorre quando o governo federal de transição se esforça para mudar a imagem do país após anos de guerra civil e de fome. Numerosos analistas coincidem em afirmar que a partida dessa ONG será um duro golpe para as últimas tentativas de atrair assistência estrangeira e investimentos ao país.
“A retirada do MSF revela a incapacidade do novo governo para lidar com a segurança local”, disse à IPS Jabril Ibrahim Abdulle, diretor do Centro de Pesquisa e Diálogo de Mogadíscio. “A retirada do MSF coincide com a tentativa do governo somaliano de muar a imagem do país, de passar de um governo de transição para um permanente, e na véspera de uma nova conferência sobre a Somália que acontecerá em Bruxelas no mês que vem, quando líderes de países doadores se comprometerão a destinar milhões de dólares a este país”, afirmou.
A decisão do MSF também revela que, embora a missão da União Africana e da força independente da Etiópia tenham expulsado o Al Shabaab das principais cidades somalianas, o grupo extremista mantém a capacidade de cometer atos de violência em grande escala. Vários analistas observaram a mudança de estratégia desse grupo agora que reiniciou suas ofensivas na capital. Várias instituições estatais e aeroportos foram o alvo de ataques ou atentados com bombas, e numerosos funcionários, comissionados e outros empregados civis foram assassinados.
No dia 27, de julho o grupo atacou a embaixada da Turquia em Mogadíscio e matou três pessoas. No dia 17 de junho, os escritórios da Organização das Nações Unidas (ONU) também sofreram um atentado que deixou 15 mortos. “Quando o governo é incapaz de evitar ataques contra suas instituições, não surpreende que o mesmo aconteça com organizações humanitárias e seus trabalhadores”, disse à IPS Ahmed Soliman, do independente Chatham House, com sede em Londres. “O MSF gostaria que as autoridades civis levassem mais a sério o processo contra os que cometem atos de violência. O governo poderia reforçar essa mensagem e trabalhar para isso”, destacou.
O MSF não é a única organização a deixar a Somália. Nas últimas semanas, e devido ao aumento dos casos de violência, a maioria das ONGs internacionais retirou todo seu pessoal não essencial deste país. Embora seja habitual um aumento dos conflitos durante o mês sagrado muçulmano do Ramadã, e que depois diminua, Abukar não crê que a situação vá se acalmar, “pela nova dinâmica das facções do Al Shabaab que lutam entre si pelo controle do território”.
Os combates internos desse grupo e o afastamento do veterano líder xeque Hassan Dahir Aweys, em julho, podem ser sinais de que a violência continuará. Considerado o estadista do grupo, Aweys teve que se entregar às forças governamentais e ceder o poder ao líder Ahmed Abdi Godane, treinado no Afeganistão. Alguns analistas preveem que isso levará a mais enfrentamentos, pois é uma facção de linha dura e está decidida a instaurar um Estado islâmico. Também vai querer provar que continua sendo uma força considerável à luz das deserções.
“O surgimento de milícias tribais leais ao governo federal que disputam o poder, a grande quantidade de assassinatos políticos que não são punidos e a crescente incapacidade do governo de exercer o controle fora de Mogadíscio” indicam que a violência não cessará, observou Abukar. “como afirma o último informe do Grupo de Controle da ONU sobre a Somália, o governo deste país não pode controlar seu território sem apoio internacional”, ressaltou.
Com a violência crescente e a partida do MSF, à qual seguirão outras ONGs, a maior preocupação agora é a situação em que fica a população civil, que perdeu a tão necessária assistência médica. “Infelizmente, o povo somaliano pagará o custo mais alto. A maioria das pessoas não conhece o país sem guerra e fome”, pontuou Karunakara. “Já chegava menos ajuda do que a necessária, mas agora muita gente ficará sem atendimento médico indispensável. Em muitos lugares, o MSF era, de fato, a única organização que oferecia atenção médica de qualidade”, acrescentou. Envolverde/IPS