“As mudanças urgentes que precisamos nunca virão dos governos, muito menos dos espaços de negociação das Nações Unidas”, opina nesta entrevista especial o jornalista moçambicano Jeremias Vunjanhe.
Apesar da pluralidade dos atores envolvidos na Cúpula dos Povos, “as propostas apresentadas pecaram por serem demasiadamente teóricas, com poucas ações práticas, e alternativas ousadas para ultrapassar a atual e profunda crise que a humanidade enfrenta”. É assim que o jornalista Jeremias Vunjanhe resume a atuação dos representantes da sociedade civil e dos movimentos sociais que participaram do evento paralelo à Rio+20, no aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Vunjanhe é membro da ONG Justiça Ambiental, de Moçambique, e acompanha de perto os impactos sociais e ambientais da mineradora Vale do Rio Doce, em Moçambique. Durante o evento da Cúpula dos Povos, ele participou da Marcha Anticorporações, que culminou com o “lançamento do Relatório de Insustentabilidade da Vale, e com várias intervenções e testemunhos de pessoas que sofrem todos os dias com os impactos destrutivos das grandes corporações junto à sede da Vale”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para à IHU On-Line, o jornalista, que foi deportado para Moçambique ao chegar no Brasil para participar da Cúpula dos Povos, mas que no dia seguinte conseguiu retornar, avalia que “o tema dos atingidos pela Vale foi superficialmente tratado e inserido dentro das pautas agendadas”. E dispara: “sinceramente, confesso que esperava que a questão do avanço das grandes mineradoras sobre os territórios e comunidades de todo o mundo fosse uma questão central nas discussões sobre meio ambiente e sustentabilidade”.
Em relação ao Documento Final da Rio+20 e do encontro entre os chefes de Estado, Jeremias Vunjanhe é pontual: “não houve discussão nenhuma entre os chefes de Estado presentes na reunião oficial da Rio+20. O Documento Final é destituído de qualquer conteúdo substantivo. Reflete a falta de seriedade, de compromisso, e a impossibilidade real dos governos para aprovar acordos benéficos para os povos e para a humanidade”.
Jeremias Vunjanhe (foto abaixo) é graduado em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), de Moçambique e assessor de organizações de base comunitárias.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que avaliação faz da organização e participação dos movimentos sociais durante a Cúpula dos Povos e das propostas apresentadas acerca do desenvolvimento sustentável?
Jeremias Vunjanhe – Dada a grandeza, diversidade e pluralidade dos atores envolvidos, a avaliação é positiva apesar da existência de alguns constrangimentos de origem logística, organizativa e comunhão de vários interesses. As propostas apresentadas pecaram por serem demasiadamente teóricas com poucas ações práticas e alternativas ousadas para ultrapassar a atual e profunda crise que a humanidade enfrenta.
IHU On-Line – Apesar de toda a articulação da sociedade civil durante a Cúpula, parece que os governos pouco consideraram as manifestações durante a tomada de decisões. O que isto significa?
Jeremias Vunjanhe – Significa que as mudanças urgentes que precisamos nunca virão dos governos, muito menos dos espaços de negociação das Nações Unidas. Quase todos os governos do mundo não servem aos seus povos e seus legítimos interesses. A partir da rica e positiva experiência da articulação da sociedade civil durante a Cúpula dos Povos, precisamos cada vez mais continuar a construir e fortalecer pautas, agendas e processos de mobilização, resistência e luta dos povos, para que estas sejam a prioridade das nações. Tudo isso só será possível por meio da organização popular e vigilância permanente, porque os atuais governos estão lhes negando a possibilidade de continuarem a viver neste planeta.
IHU On-Line – Como foi o ato de protesto e denúncia realizado em frente à sede da Vale durante a Cúpula dos Povos?
Jeremias Vunjanhe – O ato de protesto e denúncia realizado em frente à sede da Vale durante a Cúpula dos Povos foi um dos momentos mais emblemáticos das grandes mobilizações realizadas no âmbito da Rio+20. Pelos dados disponíveis, cerca de duas mil pessoas se juntaram à Marcha Anticorporações, que culminou com o lançamento do Relatório de Insustentabilidade da Vale, e com várias intervenções e testemunhos de pessoas que sofrem todos os dias com os impactos destrutivos das grandes corporações junto à sede da Vale, a pior companhia do mundo.
IHU On-Line – Como o tema dos atingidos por mineradoras apareceu nas discussões sobre meio ambiente e sustentabilidade durante a Cúpula dos Povos?
Jeremias Vunjanhe – O tema dos atingidos pela Vale foi superficialmente tratado e inserido dentro das pautas agendadas. Sinceramente, confesso que esperava que a questão do avanço das grandes mineradoras sobre os territórios e comunidades de todo o mundo fosse uma questão central nas discussões sobre meio ambiente e sustentabilidade.
IHU On-Line – Acompanhou as discussões dos chefes de estado na Rio+20? Como avalia o processo de elaboração do Documento Final?
Jeremias Vunjanhe – Não houve discussão nenhuma entre os chefes de Estado presentes na reunião oficial da Rio+20. O Documento Final é destituído de qualquer conteúdo substantivo. Reflete a falta de seriedade, de compromisso, e a impossibilidade real dos governos para aprovar acordos benéficos para os povos e para a humanidade. Aliás, não acredito nos atuais espaços de negociação das Nações Unidas, tal como estão atualmente configurados.
IHU On-Line – Qual a repercussão da sua deportação em Moçambique? Como o governo moçambicano se manifestou?
Jeremias Vunjanhe – A avaliar pelas notícias, contatos e mensagens de solidariedade que tenho recebido, penso que teve uma repercussão notável, particularmente nos maiores centros urbanos do país. Até o momento ainda não tenho conhecimento da manifestação do governo de Moçambique. Sei apenas que o governo foi notificado no dia 15 de junho pela Justiça Ambiental. Não me parece que possa haver uma manifestação do governo moçambicano.
* Publicado originalmente no site IHU-Online.