Cúpula ibero-americana, potencial e contradições

Miami, Estados Unidos, 20/11/2012 – A Declaração de Cádiz reflete o consenso, resvala em terrenos polêmicos e mostra um mínimo denominador comum alcançado pela XXII Cúpula Ibero-Americana do dia 17.

Atualizado em 28/11/2012 às 10:11, por Ana Maria.

Miami, Estados Unidos, 20/11/2012 – A Declaração de Cádiz reflete o consenso, resvala em terrenos polêmicos e mostra um mínimo denominador comum alcançado pela XXII Cúpula Ibero-Americana do dia 17.

Seis eixos temáticos resumem as preocupações: a economia, as infraestruturas, as micro, pequenas e médias empresas, a criação de postos de trabalho decentes, o fortalecimento institucional, a educação e o espaço cultural ibero-americano.

Aprofundando esta agenda, destaca-se a atenção dada às pequenas, médias e micro empresas, que contribuem decisivamente “para o crescimento econômico e o desenvolvimento social”, e a geração do emprego necessário. Mais de 90% das atividades econômicas latino-americanas correspondem ao retrato deste tipo de empresas.

No entanto, para conseguir uma melhoria da atividade empresarial são necessários insubstituíveis recursos fiscais para garantir a inclusão social e a redução da pobreza. A geração de empregos “decentes” deve ser propulsada por políticas governamentais apropriadas que não fiquem reduzidas aos planos de ajuste, tal com se tenta na Europa.

No plano interno da produção, devem ser reduzidas “a dependência dos produtos primários de exportação e a vulnerabilidade externa”. Observe-se que esta alusão tem certo ar da venerável teoria da dependência. Deve-se evitar a atividade comercial baseada quase exclusivamente na exportação de matérias-primas.

Com referência às estruturas políticas nacionais exige-se um “fortalecimento institucional” no caminho do “bom governo”. Essa coesão política garantiria a coordenação na luta contra o “crime organizado transnacional, as ameaças para os cidadãos e o Estado de Direito”.

Em um fórum multinacional convém reler com cuidado as referências à integração regional. Por um lado, descobre-se uma combinação de defesa do “direito soberano dos Estados sobre seus recursos naturais”. Ao recordar que este direito se regula segundo “sua respectiva legislação nacional”, se dá uma piscada cúmplice às recentes nacionalizações, mas com regras claras para os investimentos.

O consenso se opõe a “políticas cambiárias que tenham efeitos negativos sobre o comércio internacional”. Por outro lado, se advoga por evitar o protecionismo (tarifas aduaneiras) e ações que sejam obstáculos ao comércio.

O documento insiste, também, em gerar as condições logísticas para conseguir a plena conectividade entre os países. A falta de infraestruturas internas é um obstáculo imponente para o comércio inter-regional. O intercâmbio latino-americano é muito reduzido em comparação com o desenhado para a exportação ao exterior.

Por fim, dedica-se uma atenção tradicional aos aspectos culturais na formação do chamado “Espaço Cultural Ibero-Americano”. Há unanimidade no reconhecimento da cultura compartilhada, bem com também da sua diversidade. Daí que se deve garantir a livre circulação de bens e serviços culturais.

É significativo que este aspecto básico tenha sido relegado como supérfluo quando a “Comunidade/Conferência/Cúpula” começou a adotar uma agenda generalizada.

Considerando que os dois membros ibéricos são ao mesmo tempo sócios do projeto europeu, conviria meditar brevemente sobre o pensamento de quem inspirou o nascimento da União Europeia. Erroneamente, atribui-se a Jean Monnet o comentário de que “se tivesse que começar de novo, o faria pela cultura” (não com o carvão e o aço, e menos ainda com um Mercado Comum).

A cúpula atual começou justificada basicamente na cultura compartilhada. O desenvolvimento progressivo do projeto ibero-americano foi incorporando uma agenda desmesurada para suas possibilidades e seus recursos. Curiosamente, derivou de comunidade para conferência e acabou em cúpula. Em lugar de reduzir sua temática, foi ampliando-a.

A partir do próximo ano, a Cúpula Ibero-Americana se reunirá a cada dois anos, alternando com a celebração da Cúpula União Europeia-América Latina/Caribe (agora Celac). Teme-se que, com a aposentadoria de Enrique Iglesias como secretário-geral, o projeto sofra certa inércia.

Se o próprio pensamento de Monnet se opunha à fundação de instituições que não tivessem independência e orçamento, compreende-se que o ente ibero-americano tenha resistido à sua institucionalização. Paradoxalmente, sua agenda depende da boa vontade do cumprimento de seus próprios autores nacionais.

Quantas divisões tem o papa?, se poderia perguntar hoje com o sorriso dissimulado de José Stalin.

A cúpula deverá, entre outras urgências, ajustar as dificuldades orçamentárias espanholas (que contribui com 60% dos gastos) com a solicitação de ajuda da América Latina para enfrentar a crise.

No momento, o balanço deste ano apresenta uma linha de crédito de US$ 420 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para fortalecer as pequenas, micro e médias empresas, enquanto a Corporação Andina de Fomento (CAF) as apoiará com US$ 200 milhões a US$ 300 milhões, e ampliará até US$ 1 bilhão a ajuda aos bancos privados.

Para evitar os caros litígios judiciais, assentou-se as bases de um mecanismo de arbitragem entre empresas privadas.

O balanço de presença na cúpula pode parecer positivo, já que faltaram “somente” sete presidentes (de 22, ou seja, um terço). Contudo, é preciso lembrar que dos cinco possíveis da aliança bolivariana, de inspiração do presidente venezuelano, Hugo Chávez, participaram apenas dois mandatários (Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador), os quais evitaram aparecer na foto de família.

Por outro lado, não houve alusão alguma às atividades do Mercosul, da Comunidade Andina ou das novas Celac e União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Por outro lado, os quatro membros da Aliança do Pacífico realizaram um encontro. São algumas piscadas ibero-americanas às quais será preciso prestar atenção. Envolverde/IPS

Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu). 


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