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Dados conflitantes sobre persistente mortalidade materna na Argentina

Buenos Aires, Argentina, 29/8/2012 – Apesar dos avanços em matéria de direitos sexuais e reprodutivos na Argentina, a elevada mortalidade materna é difícil de reduzir. Além disso, aparecem fortes discrepâncias entre os dados oficiais, mais otimistas, e de órgãos multilaterais, que quase duplicam os casos. “É verdade que a taxa não se modifica muito há 20 anos. Não conseguimos uma tendência franca de queda, mas estamos trabalhando para isso”, declarou à IPS a diretora nacional de Maternidade e Infância, Ana Speranza.

Os dados do Ministério da Saúde indicam que a taxa foi de 52 mortes maternas para cada cem mil nascidos vivos, em 1990, e desde então houve altos e baixos para chegar a uma leve melhora em 2010, últimos dados oficiais, com 44/100 mil. Speranza admitiu que neste ritmo “será difícil” chegar a 2015 com 13 mortes para cem mil nascidos vivos, meta a ser alcançada pela Argentina para cumprir o quinto dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), aprovados em 2000 pelos governos na Organização das Nações Unidas (ONU).

As autoridades também propuseram reduzir a brecha entre províncias. Contudo, dados de 2010 mostram que pouco ou nada se conseguiu, pois no distrito da cidade de Buenos Aires, um dos mais ricos do país, são registradas 0,9% das mortes maternas do país, enquanto na empobrecida província de Formosa esse índice chega a 16,2%. Os ODM são compromissos assumidos para reduzir ou eliminar fortemente problemas como pobreza, indigência, analfabetismo ou mortalidade materna, entre outras dívidas sociais, com metas até 2015 e partindo dos indicadores registrados em 1990.

Com as políticas de assistência social e de saúde que desenvolveram os governos de Néstor Kirchner (2003-2007) e de Cristina Fernández, acredita-se que a mortalidade materna baixará até 20 ou 25 para cada cem mil em 2015, disse Speranza. Mas é claro que não atingirá a meta assumida. A Argentina iniciou em 2003 o Programa Nacional de Saúde Sexual e Procriação Responsável, que garantiu o acesso gratuito a métodos anticoncepcionais a cerca de seis milhões de mulheres. O plano funciona em todas as províncias em que se divide este país de 40 milhões de habitantes.

Na última década, também foi sancionada a lei de educação sexual integral, a de proteção contra a violência de gênero, incluindo violência obstétrica, e foi decretada uma renda para as mulheres grávidas de setores vulneráveis. Apesar destes progressos, em 2010, foram registradas 331 mortes maternas por doenças pré-existentes da mulher ou por complicações do aborto provocado (que é penalizado), hipertensão, hemorragias e infecções, entre outras causas, a maioria evitável.

Uma pesquisa conjunta do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), da Organização Pan-Americana da Saúde (OPS) e de outras organizações situou a Argentina no nível mais baixo da América do Sul na luta contra a mortalidade materna. Este é o único país da região sem redução desse problema em 20 anos, aponta o estudo. O informe Tendências em Mortalidade Materna: 1990-2010 afirma que, na Bolívia, Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai houve uma redução do problema. Já a quantidade de mortes nesse período na Argentina passou de 71 para 77 para cem mil nascidos vivos, quase o dobro do que mostram as estatísticas do Ministério da Saúde.

Speranza questionou a elaboração desses indicadores, que agora a OPS revisa. Explicou que esse informe estabelece que houve 690 mil nascimentos em 2010 e não os 751 mil registrados pelas autoridades do país, e afirmou que aplica um coeficiente que supõe um sub-registro maior do que o existente. A médica Zulma Ortiz, do Unicef, reconheceu à IPS que “o sub-registro pode estar exagerado, mas é o mesmo aplicado nos demais países. O que queremos destacar é a tendência, que a mortalidade não diminui na Argentina como deveria”, afirmou.

“É preciso tornar visível o assunto, colocá-lo na agenda pública, ver o que acontece com a qualidade dos serviços de atenção, se são vulnerados direitos de mulheres rurais e indígenas, ver o que ocorre para que essas taxas se mantenham”, acrescentou a médica. Ortiz recordou que desde o final da década de 1990 foram criados comitês com as províncias para analisar as causas de cada morte, mas este mecanismo não funcionou bem. “Não basta notificar, é preciso buscar cada caso para ver o que falhou”, ressaltou.

Speranza disse que os dados de 2011 – ainda provisórios – já mostram uma baixa “muito significativa”, na província de Buenos Aires, a mais populosa do país e com grandes bolsões de pobreza, onde se teria passado de 130 para 90 mortes em um ano. Só em uma maternidade dessa província, na localidade de San Moreno, o número de mortes caiu de 12 para três em um ano. Para isto, “quase foi preciso intervir no serviço”, disse Speranza, revelando que os casos de violência obstétrica são “dramáticos”.

O coordenador da Área de Obstetrícia da Direção Nacional de Maternidade e Infância, Daniel Lipchak, disse à IPS que o Ministério adquiriu uma boneca que simula o momento do parto e todas as complicações possíveis. Com esta ferramenta são capacitados médicos, parteiras, enfermeiras e anestesistas que agem na urgência. Também são distribuídos, a partir deste ano, equipamentos de emergência com medicação para hipertensão e hemorragia. Em paralelo, se avança para um plano de regionalização da atenção à saúde.

Speranza explicou que, na Argentina, 83% dos partos são feitos em maternidades que seguem as Condições Obstétricas e Neonatais Essenciais, fixadas pela OPS em 1986, que exigem disponibilidade de atenção cirúrgica, anestesistas, sangue seguro, tratamentos obstétricos de emergência e possibilidades de traslado oportuno em caso de complicação. Nesse ponto as autoridades procuram regionalizar. Isto é, baixar o número de locais onde se atende partos, e garantir que nos que permanecem se centralize a atenção e sejam dadas todas as condições de segurança necessárias.

Quanto às complicações por abortos clandestinos, o Ministério estabeleceu um programa de melhoria da qualidade da atenção que consiste na capacitação no uso de novas técnicas, assessoria e fornecimento de métodos anticoncepcionais. Estas medidas permitiram que a mortalidade por causas relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez caísse de 30% para 20%, disse Lipchak. Porém, ainda não basta para que esta variável deixe de ser um motivo de morte. Envolverde/IPS