De bem com sua memória - parte 3

Para ficar de bem com sua memória, vimos a importância da emoção e das ideias centrais, antes dos detalhes. Outra regra fundamental é que o nosso cérebro não desempenha bem multitarefas. Talvez nesse exato momento você esteja nessa condição, lendo a Gazeta, de olho no fogão, lembrando do filho que foi para a folia ontem à noite e, por fim, esperando as visitas para a macarronada do domingo.

Nos dias de hoje todos nós, em algum grau, somos obrigados a funcionar no módulo multitarefas. Quais as consequências disso? A memória falha, a atenção fica dividida em vários alvos, esquecemos de compromissos, não nos lembramos de coisas banais.

O cérebro é capaz de desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo, como andar e falar, tocar um instrumento com ambas as mãos e tantas outras, mas prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo é como, de uma só vez, assoviar e chupar cana, não dá. Podemos até tentar, mas as pesquisas em neurociências comprovam que só conseguimos prestar atenção em uma coisa de cada vez e de forma sequencial e hierárquica.

Outro dia entrei no quarto do meu filho (com a devida autorização, é claro), e percebi que ao mesmo tempo em que ele ouvia seu iPod, estavam abertas umas dez janelas no computador, meia dúzia de conversas simultâneas no MSN, programas baixando músicas da internet e o Explorer exibindo a Chapada Diamantina! É a geração multitarefas.

A sociedade moderna imprime o mesmo ritmo sobre nós, basta ver alguns canais de tevê que, além da notícia veiculada pelas imagens e som, exibem outras informações no rodapé. Outro canal, especializado em economia, não tem dó do espectador, são numerosas janelas exibindo uma imensidade de dados que correm pela telinha nas mais vertiginosas direções. O celular é outro fator distrator, um dos principais responsáveis pela interrupção da nossa atenção, seja nas conversas, no trânsito ou agora mesmo durante essa leitura. Alô!

É possível que “esse jeito multitarefa de ser” explique também outra situação bastante frequente e desagradável nos dias de hoje. Pare e observe reuniões sociais, algumas pessoas são incapazes de escutar, são extremamente desatentas, quase autistas. Dão início a conversas paralelas, oblíquas e até perpendiculares e aos poucos sentimos estar naquela torre, sim, a de Babel.

Tempos modernos, concordo, mas não se esqueça que os nossos cem bilhões de neurônios levaram pelo menos dois milhões de anos para se organizar e por isso são bastante exigentes, ávidos por informação, desde que cada uma de uma vez.

* Marco Antônio Arruda é médico neurologista e membro da Academia Brasileira de Neurologia.

** Publicado originalmente no site Saúde em Pauta.