Daniela Chiaretti, repórter especial de ambiente do jornal Valor. Foto: Bio Barreira/Valor

Quando a Convenção do Clima foi criada, durante a Rio 92, ela estava lá, reportando para os leitores da Folha de S.Paulo os primeiros passos de uma longa negociação – ainda inacabada –, mas que pode ajudar a salvar o planeta de uma catástrofe climática. De lá para cá, Daniela Chiaretti acompanhou as mais recentes e importantes conferências climáticas com um olhar aguçado, traduzido em centenas de reportagens que colaboram para esclarecer essa complexa trama de conceitos científicos, jogadas políticas e manobras diplomáticas. Sua paixão pelo tema rendeu-lhe no ano passado o Prêmio Esso de jornalismo científico com uma reportagem especial sobre o Ártico, o lugar no planeta que mais sente os efeitos da mudança do clima, a vida naquele lugar remoto onde há mais ursos polares que gente e pesquisas de vanguarda que tentam desvendar os impactos do aquecimento global sobre a vida nos oceanos. Daniela Chiaretti, atual repórter especial de ambiente do Valor Econômico desde 2005, abre a série de entrevistas com os jornalistas brasileiros que fazem a cabeça dos leitores quando o assunto é clima, biodiversidade e sustentabilidade, e que o Fórum Amazônia Sustentável passa a publicar durante este ano. Com ela, falamos sobre a Conferência do Clima de Durban, realizada em dezembro, na África do Sul. Boa leitura!!!

Chegou-se a dizer, sobretudo os diplomatas, que a Conferência do Clima realizada em Durban, na África no Sul, no final do ano passado, tinha sido uma reunião “histórica”. Você, que estava lá e acompanhou tudo, considera que aquela foi mesmo uma reunião que produziu resultados de que o mundo vai se orgulhar?

Os resultados de Durban dependem da interpretação que se queira dar. Os diplomatas saíram daquela reunião – a mais longa de toda a história – (30 horas a mais do que o previsto) dizendo que foi um momento histórico. Na verdade, salvou-se o processo de negociação, mas o clima do planeta ainda está longe de ser salvo. Os resultados de Durban continuam levando a um aquecimento de três a quatro graus centígrados até o fim deste século, o que é perigoso, pois a ciência diz que não poderemos ultrapassar os dois graus centígrados, e isto foi acordado em Copenhague (COP15). Quando os diplomatas se referem a um acordo histórico é porque um dos resultados em Durban foi a promessa de que todos os países estarão juntos em um acordo vinculante (com força de lei) em 2015, para que entre em vigor em 2020. Mas é uma promessa ainda.

Na sua opinião e considerando os alertas dos cientistas, Durban fracassou em seus objetivos?

Do ponto de vista do que a ciência vem alertando, sim. Em função de como as negociações climáticas andam, não. Como resultado positivo de Durban está a continuidade do Protocolo de Kyoto, mas só com a União Europeia, que responde por apenas 11% das emissões mundiais. Como a primeira fase de Kyoto termina este ano, não daria tempo de se fazer outro instrumento legal. Durban deu sobrevida ao Protocolo. Mas não se definiu quanto tempo dura esta segunda etapa e nem quais são as metas dos países.

Mas por que então esse protocolo limitado apenas à Europa é importante?

Entre outras coisas, ele sinaliza aos investidores que vale a pena continuar investindo em tecnologias verdes. De qualquer forma o clima não vai esperar que os países façam um acordo…

O que se diz é que o pico das emissões do mundo deveria acontecer em 2020 e de lá começar a cair. O problema é que em Durban os três maiores emissores do mundo – China, Estados Unidos e Índia – fizeram promessas muito vagas em relação ao tratado de 2015. O que os cientistas dizem é que quanto mais se espera, mais caro esse processo será para cortar as emissões e se adaptar às mudanças do clima. Nicholas Stern disse em Durban que o mundo não precisa mais de estudos que comprovem as mudanças climáticas e sim de vontade política. Esta frase representa bem o abismo entre o que a ciência está dizendo e o que os governos conseguem fazer. Mas este não é um processo inútil. É o instrumento mais democrático que o mundo dispõe para tentar um acordo.

O Fundo Clima também saiu estruturado dessa conferência. Mas sem dinheiro…

Este fundo saiu organizado de lá. Mas dinheiro tem pouquíssimo. Precisaria chegar a US$ 100 bilhões por ano, em 2020, para dar conta do que é necessário.

Como foi a participação do Brasil em Durban?

O Brasil é muito importante nas discussões sobre mudança climática. Os diplomatas brasileiros são muito habilidosos e conseguem aparar arestas entre países. Isso ocorreu de fato nos últimos momentos em Durban, quando o negociador chefe do Brasil, embaixador Luiz Figueiredo, conseguiu mudar uma palavra jurídica e assim fazer com que a Índia e os Estados Unidos aceitassem participar do acordo em 2015. Por outro lado, a discussão sobre o Código Florestal apareceu em Durban com muita força. O fato de o novo Código poder vir a significar aumento de emissões deixou o Brasil em uma situação embaraçosa. O país foi cobrado pela imprensa internacional.

E como ficou a questão do REDD no âmbito dessa discussão?

É verdade, esta discussão não avançou. Este tema foi um dos que mais amadureceram nos últimos anos nas conferências do clima. Mas para o Brasil não é interessante que essa discussão se feche, fique prontinha, enquanto as demais não estão. O REDD é apenas uma ponta do tratado climático – uma ponta importante, mas só um pedaço do pacote. E este pacote ainda está longe de fechar. Florestas são o que o Brasil tem para barganhar. O debate sobre REDD, na verdade, teve até alguns recuos em Durban. Mas a discussão avança internacionalmente em outras frentes.

Você acredita que a Rio+20 possa influir nas decisões dos países na questão climática?

A Rio+20 é importante porque abre outros processos. Ela não terá um documento de peso nos moldes de uma convenção ou um protocolo, por exemplo. Mas poderão ser dados passos fundamentais sobre economia verde, indicar como se chega lá. Como fazer uma economia que emita menos carbono. A Rio+20 pode promover objetivos sustentáveis para as próximas duas décadas e isto vai repercutir nas emissões. Também se discute a criação de uma agência internacional de desenvolvimento sustentável (como quer o Brasil) ou de meio ambiente (como quer a Europa) ou nada disso (como parece ser a posição dos Estados Unidos). Ter uma espécie de Organização Mundial do Comércio na área ambiental não é pouca coisa.

* Publicado originalmente no Fórum Amazônia Sustentável.