Mudanças climáticas têm contribuído para eliminação de poluentes orgânicos persistentes, que ficam armazenados no gelo, para a atmosfera.
Como se o derretimento do gelo já não fosse suficiente, cientistas do Canadá, da China e da Noruega descobriram mais um impacto das mudanças climáticas no Ártico. Segundo um novo estudo, o degelo ártico está liberando novamente poluentes orgânicos persistentes (POPs) que eram produzidos décadas atrás, emitindo-os na atmosfera. Para os pesquisadores, essa é uma verdadeira ‘herança maldita’ que volta para nos assombrar.
Os POPs são produtos químicos que eram usados décadas atrás na fabricação de compostos como o DDT, o HCB, o HCH, o clordano e o lindano, utilizados como pesticidas e em outros fins industriais. Por se acumularem na gordura corporal causando problemas de saúde como câncer e defeitos nos fetos, a produção da maioria dos POPs foi banida em 2001 na Convenção de Estocolmo.
Sendo semi-voláteis, esses compostos têm uma grande facilidade de mudar de um estado físico para outro, passando de sólido para líquido e de líquido para gasoso com rapidez. “Os produtos químicos são conhecidos por serem semi-voláteis. Eles têm a habilidade de evaporar para fora [de um local] de armazenamento”, esclareceu Hayley Hung, cientista da Divisão de Pesquisa de Qualidade do Ar do Canadá Ambiental.
Por isso, não foi tão fácil nos livrarmos desse legado deixado por nossos pais e avós. Um relatório publicado no último domingo (24) pela Nature Climate Change, intitulado Revolatilização dos poluentes orgânicos persistentes no Ártico induzida pelas mudanças climáticas, indica que nas últimas duas décadas, mesmo após a queda na produção desses compostos, a concentração de POPs na atmosfera vem aumentando consideravelmente.
“Os estoques [de POPs] ainda existem, mas estes são fontes limitadas, e as fontes já são conhecidas por nós. Então ficamos surpresos ao ver as concentrações aumentando realmente”, declarou Hung, que é uma das autoras do documento. Então, investigando a razão para tal evento, os cientistas mais uma vez se depararam com as mudanças climáticas.
Os pesquisadores descobriram que o crescimento da concentração de POPs, cuja maioria dos depósitos se encontra no Ártico devido às baixas temperaturas do local, está ligado ao aumento da temperatura no ambiente, já que esse aumento facilita a volatilização dos POPs, que voltam a ser liberados na atmosfera. “Isso é um sinal para nós de que esses produtos químicos estão de fato evaporando para fora do oceano”, explicou Hung.
A nova pesquisa “demonstra que as mudanças climáticas podem remobilizar os POPs armazenados na água, na neve, no gelo, e, presumivelmente, nos solos – e que esse processo já está ocorrendo na região ártica”, afirmou Jordi Dachs, especialista em poluentes do Instituto de Avaliação e Pesquisas Ambientais da Água, em Barcelona, na Espanha.
A questão é ainda mais grave quando se leva em consideração que o Ártico vem sofrendo um aumento de temperatura maior do que a média registrada no planeta. E, de acordo com os cientistas, a tendência é que a situação piore, à medida que as temperaturas forem ficando mais altas e o gelo for derretendo cada vez mais rápido.
“Parece provável que poluentes persistentes afetarão o meio ambiente em prazos ainda mais longos do que o atualmente suposto. A remobilização dos poluentes gerada por nossos avós… é uma testemunha indesejada do nosso passado ambiental que agora parece estar ‘vindo do frio’”, disse Dachs.
Conscientização
Para Hung, “o principal propósito desse artigo é aumentar a conscientização de que as mudanças climáticas têm, de fato, uma influência na contaminação. Não é tão aparente como outras mudanças mais visíveis… Pessoas precisam estar cientes de que há um efeito. À medida que calculamos a eficiência da Convenção de Estocolmo, precisamos levar em conta os efeitos das mudanças climáticas”.
Segundo o relatório, é preciso lembrar que tal evento pode nos deixar cada vez mais expostos a esses compostos prejudiciais. “Nossos resultados indicam que uma ampla gama de POPs tem sido remobilizada à atmosfera ártica nas últimas duas décadas como resultado das mudanças climáticas, confirmando que o aquecimento do Ártico pode minar os esforços globais para reduzir a exposição ambiental e humana a esses químicos tóxicos”.
Hung comentou ainda que os pesquisadores vão continuar a estudar a eliminação de POPs na atmosfera, para descobrir mais detalhes sobre o evento. “O próximo passo é descobrir quanto [de POPs] há no Ártico, quanto vazará e com que rapidez”.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.