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Degelo de geleiras impulsiona adaptação no norte do Paquistão

Menino pastoreia seu gado em terra agrícola perto de onde houve um deslizamento de terra no vale paquistanês de Bagrot. Foto: Saleem Sahikh/IPS
Menino pastoreia seu gado em terra agrícola perto de onde houve um deslizamento de terra no vale paquistanês de Bagrot. Foto: Saleem Sahikh/IPS

 

Bindo Gol, Paquistão, 20/1/2015 – Jaliq-ul-Zaman, produtor rural do isolado vale de Bindo Gol, na província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa (ao norte), vive há tempos à sombra do desastre. Com abundante terra fértil e água doce, este pitoresco vale seria o lugar ideal para viver não fosse pela constante ameaça dos lagos glaciais vizinhos, que transbordam e fluem aos borbotões para as ladeiras, semeando destruição em sua passagem.

Houve uma época em que famílias como a de Zaman viviam tranquilas nesses ecossistemas isolados, mas temperaturas mais altas e chuvas mais fortes, que segundo especialistas são consequência do aquecimento global causado pela mudança climática, converteram áreas como Bindo Gol em um celeiro de riscos naturais.

Deslizamentos de terras, inundações e erosão do solo são cada vez mais frequentes, alterando canais que transportam água doce dos mananciais localizados corrente acima para as terras agrícolas, e privando as comunidades de sua única fonte de água. “As coisas estão ficando difíceis para minha família. Comecei a pensar que a agricultura já não era viável e estava considerando abandoná-la e emigrar para Chitral (distante 60 quilômetros) em busca de trabalho”, contou Zaman à IPS.

Ele não estava sozinho em seu desespero. Azam Mir, um ancião produtor de trigo da aldeia de Drongagh, em Bindo Gol, recordou um devastador deslizamento de terras que arrasou, em 2008, dois dos canais de água mais antigos da área, obrigando dezenas de agricultores a abandonar a atividade e se reassentar em aldeias próximas. “Quem não pôde ir da aldeia sofreu fome e doenças originadas pela má qualidade da água”, disse à IPS.

Agora, graças a uma associação público-privada para a adaptação climática que busca reduzir o risco de desastres como as inundações causadas pelo transbordamento de lagos glaciais, os habitantes dos vales do norte do Paquistão recuperam gradualmente seus meios de sustento e suas esperanças de ter um futuro nas montanhas.

Segundo o Departamento Meteorológico do Paquistão, em 2010 havia cerca de 2.400 lagos glaciais potencialmente perigosos nos vales mais isolados do país. Agora esse número é de três mil. Somente o distrito de Chitral abriga 549 geleiras, das quais 132 foram declaradas “perigosas”. Especialistas em clima alertam que temperaturas mais altas ameaçam o delicado ecossistema do lugar e, a menos que sejam tomadas imediatamente medidas de mitigação, as vidas e os meios de sustento de milhões de pessoas continuarão em risco.

Uma das iniciativas de maior sucesso atualmente em andamento é um projeto quadrienal de US$ 7,6 milhões apoiado pelo Fundo de Adaptação da Organização das Nações Unidas, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e governo do Paquistão.

Criado em 2010, seu principal objetivo, segundo o diretor no terreno, Hamid Ahmed Mir, é proteger as vidas, os meios de sustento, os canais hídricos existentes e a construção de infraestrutura para o controle de inundações, que inclui diques, estruturas para manter a erosão sob controle e muros de contenção.

O projeto melhorou enormemente as vidas dos moradores, ajudando a reduzir as alterações nas correntes e permitindo um fluxo sustentado de água potável, bem como para saneamento e irrigação em 12 povoados. “Planejamos estender essa infraestrutura para outras dez aldeias do vale, onde centenas de famílias se beneficiarão com a iniciativa”, afirmou Mir à IPS.

Mais distante, no vale de Bagrot, em Gilgit, distrito da província de Gilgit-Baltistão, limítrofe com Jyber Pajtunjwa, organizações não governamentais desenvolvem programas semelhantes.

Zahid Hussain, do projeto de adaptação climática em Bagrot, disse à IPS que 16 mil dos moradores do vale são vulneráveis a inundações causadas pelo transbordamento de lagos glaciais e cheias repentinas em geral, enquanto a infraestrutura existente em matéria de saneamento e irrigação sofreu severos danos devido às inclemências do tempo.

Localizado a 800 quilômetros de Islamabad, Bagrot é composta por dez aldeias dispersas, cuja população depende, para atender quase todas suas necessidades, das correntes que fluem desde a cordilheira de Karakorum, na sub-região himalaia de Hindu-Kush, a área mais fortemente glacial do mundo fora das regiões polares.

Operários constroem muros de contenção para controlar inundações no vale paquistanês de Bindo Gol. Foto: Saleem Shaikh/IPS
Operários constroem muros de contenção para controlar inundações no vale paquistanês de Bindo Gol. Foto: Saleem Shaikh/IPS

 

Moradores como o agricultor Sajid Ali esperam que obras de infraestrutura preservem esse vital recurso e protejam sua comunidade contra a força das inundações. Uma preocupação ainda maior é a propagação de doenças causadas pela má qualidade da água, pois inundações e deslizamentos de terra deixam em sua passagem grandes depósitos de lama, disse à IPS.

Assim como as estruturas destinadas a reduzir riscos são fundamentais para evitar emergências humanitárias, também é criar resiliência comunitária e consciência entre a população local, afirmam especialistas. Até agora, dois milhões de pessoas nos vales de Bindo Gol e Bagrot se beneficiam dos programas comunitários de adaptação e mitigação, não só com um melhor acesso à água potável, mas também com estações de monitoramento, mapas do local e sistemas de comunicação capazes de alertar os moradores diante de uma catástrofe iminente.

Jalil Ahmed, gerente do programa nacional para o projeto, disse à IPS que agora são implantados sistemas de alerta para informar as comunidades com bastante antecedência sobre transbordamentos ou inundações, dando às famílias muito tempo para se dirigirem a lugares mais seguros.

Existem poucos dados oficiais sobre a quantidade exata de afetados por transbordamentos de lagos glaciais, embora, segundo Ahmed, “se possa dizer com segurança que há cerca de 16 mil deslocados, que continuam nessa situação depois de vários meses”.

Só nos últimos 17 meses, o país sofreu sete transbordamentos de lagos glaciais que, além de deslocar população, arrasaram cultivos inteiros e redes de irrigação em todo o norte do país, segundo Ghulam Rasul, especialista em clima do Departamento Meteorológico do Paquistão em Islamabad.

A situação só pode piorar, enquanto as temperaturas aumentam nas áreas montanhosas do norte do Paquistão e os cientistas preveem mais eventos meteorológicos extremos para as próximas décadas, o que tornará urgente que a sociedade esteja preparada para enfrentá-los.

Várias iniciativas de adaptação baseadas na comunidade, incluída a construção de 15 “abrigos seguros” temporários nos vales de Bindo Gol e Bagrot, já inspiraram confiança entre a população local, enquanto o plantio generalizado de vegetação nas ladeiras das montanhas potencializa a contenção contra deslizamentos de terra e erosão.

Cientistas e ativistas afirmam que replicar programas semelhantes em todas as regiões do norte paquistanês ajudará a prevenir a perda de vidas e o governo a economizar milhões de dólares em danos. Envolverde/IPS