Madri, Espanha, junho/2011 – Chegou o momento de se colocar, de dizer com serenidade e firmeza, que a humanidade não pode continuar sofrendo os intermináveis estertores de um sistema que desembocou na gravíssima e múltipla crise atual (social, financeira, alimentar, ambiental, política, democrática, ética, etc…).
A moderna tecnologia da informação permite a participação não presencial. E, portanto, facilita a transição de uma economia de especulação e guerra para uma economia de desenvolvimento global sustentável.
O tempo do silêncio acabou. Daqui para frente, delito de silêncio.
Os poderosos, que deixaram de lado desde sempre os cidadãos que, com maior atrevimento, ocupavam o palco, não contavam com a “revolução virtual”. A capacidade de participação não presencial (por celular, SMS, internet…) modificará os atuais procedimentos de consulta e escolhas. Em síntese, a democracia.
Chegou o momento da mobilização cidadã diante do “grande domínio” (econômico, energético, militar, midiático), de modo a começar sem demora a grande transição de uma economia de especulação e guerra (US$ 4 bilhões por dia em armas e gastos militares, e não me cansarei de insistir que morrem de fome mais de 70 mil pessoas por dia) para uma economia de desenvolvimento global sustentável, que reduza rapidamente as enormes diferenças e brigas sociais e a deterioração progressiva (que pode alcançar limites irreversíveis) do entorno ecológico.
Chegou o momento de impedir e punir o assédio que o “mercado”, por meio de conspícuas agências de “qualificação”, exerce sobre os políticos, “resgatadores” empobrecidos que devem ser diligentes, sob risco de afundamento financeiro, na redução de seus orçamentos. Os que pregam “menos Estado e mais mercado”, assegurando que se autorregularia e que eliminaria os paraísos fiscais, devem se retratar publicamente e corrigir os graves estragos ocasionados.
Chegou o momento de substituir os grupos “plutocráticos” – iniciados pelo presidente Reagan e pela primeira-ministra Thatcher, que demonstram sua total inoperância –, por uma Organização das Nações Unidas forte, dotada dos recursos pessoais, técnicos e financeiros que permitam cumprir sua alta missão (de segurança internacional, de garantidora dos princípios democráticos, da liberdade de expressão e de acesso a uma informação verdadeira, de ação coordenada para reduzir o impacto de catástrofes naturais ou provocadas, de cuidados com o meio ambiente, de pautas de desenvolvimento social e econômico oportunamente aplicadas)…
Todos deveríamos ler e reler a Declaração Universal dos Direitos Humanos para nos sentirmos confortados, para preencher nosso amanhecer com a convicção de que vale a pena continuar lutando em favor dos grandes valores éticos que devem inspirar nosso comportamento cotidiano. Para que percebamos que “estamos dotados de razão para remediar a tentação da força”.
É urgente esta “leitura ativa” porque não estão sendo retificados os rumos. Não se está indo decididamente da plutocracia para o multilateralismo. Não se está acabando de vez com os paraísos fiscais, que possibilitam os tráficos de todo tipo (drogas, armas, pessoas!…). Não se está regulando a especulação nem a economia irresponsável. Não se está enfrentando a excessiva concentração do poder midiático. Não estão sendo dados os passos que levem a um novo modelo produtivo de desenvolvimento global sustentável. Como antes da crise, só é importante negociar, vender… produzir o mais barato possível, mediante um deslocamento para o Leste que não leva em conta como vivem os “produtores” destes países, nem se são observados seus direitos humanos… Mais do mesmo… E a sociedade ainda calada, silenciosa, olhando para o lado.
As instituições “públicas”, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, além de instituições privadas de duvidosa imparcialidade, ao não terem conseguido prever nem prevenir a crise, estão agindo de forma interessada em favor dos mesmos que originaram a grave situação presente.
E o que fazem as comunidades científica, acadêmica, artística? Continuam observando. Em geral, são espectadores distraídos, que não refletem o suficiente sobre os grandes problemas nem atuam em consequência. Não percebem ainda o enorme poder da cidadania.
Até que um dia, depois de anos e anos de democracias frágeis e manipuladoras, chega, com a moderna tecnologia da comunicação, a possibilidade de se construir no ciberespaço o que até agora se conseguiu evitar na “vida real”. Hoje já é possível modificar com o telefone celular, a internet, etc., a realidade obstinadamente cunhada, sempre imperturbável; mobilizar os milhões de seres humanos que podem pôr fim, unir suas vozes e seus sonhos, e realizar a revolta, pacífica mas firme, que os guardiões da inércia e dos privilégios, das despensas do passado, não nos deixavam nem mesmo esboçar.
O futuro está por fazer. Deve-se inventar o futuro vencendo a inércia dos que se obstinam em querer resolver os problemas do amanhã com as receitas de ontem. Muitas coisas devem ser conservadas. Mas outras devem ser mudadas. E é preciso se atrever.
Agora é o momento da sociedade civil! Da força à palavra, do encontro, da conciliação. De subjugados a cidadãos, a grande transição. Envolverde/IPS
* Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor-geral da Unesco, é presidente da Fundação Cultura de Paz e presidente da Agência IPS. Esta coluna é parte textual de seu último ensaio Delito de Silêncio (Editora Comanegra).