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Democracia e economia dependentes da integração

Reunidos em frente à Embaixada do Paraguai em Brasília, manifestantes questionaram a saída do presidente Lugo do poder Foto: Antonio Cruz, ABr

 

Rio de Janeiro, Brasil, 26/6/2012 – O Paraguai coloca novamente à prova a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Sul-Americana de Nações (Unasul) com o golpe parlamentar do dia 22. O Protocolo de Ushuaia, assinado em 1998 nessa cidade argentina pelos quatro membros plenos do Mercosul, formalizou a “plena vigência das instituições democráticas” como condição indispensável para a participação no bloco. Essa ação se concretizou em razão de uma tentativa de golpe no Paraguai, dois anos antes.

Uma rápida reação e pressão dos países sócios do Paraguai no bloco – Argentina, Brasil e Uruguai –, incluindo a ameaça de exclusão, foram decisivas para evitar a derrubada do então presidente Juan Carlos Wasmosy, eleito em 1993 como primeiro civil a ocupar o cargo desde 1954, quando o general Alfredo Stroessner iniciou uma ditadura de 35 anos. Agora, o Paraguai cai no isolamento, após ser suspenso do Mercosul e da Unasul em resposta à “ruptura da ordem democrática” protagonizada pelo parlamento paraguaio, que em poucas horas, nos dias 21 e 22, decidiu pela destituição de Fernando Lugo do cargo de presidente e sua substituição pelo vice, Federico Franco.

As reuniões, previstas para os dias 28 e 29, podem definir outras sanções sul-americanas. A Venezuela já anunciou que interromperá a entrega de petróleo ao Paraguai, que no ano passado chegou a representar quase um quarto da demanda desse país. Porém, o governo brasileiro, seguindo suas tradições diplomáticas, mantém vigentes todos os acordos assinados e somente adotará novas medidas em acordo com Argentina e Uruguai.

Brasil e Argentina dispõem de um poder de pressão econômica dificilmente suportável pelo país vizinho se decidirem recorrer, por exemplo, ao bloqueio das fronteiras e a sanções econômicas, já que a saída paraguaia para o exterior depende das estradas e dos portos brasileiros no Atlântico e dos argentinos no Rio da Prata. O Paraguai também compartilha as hidrelétricas de Itaipu com o Brasil e Yacyretá com a Argentina. Apesar de dispor da metade da energia gerada em ambas centrais, a sociedade paraguaia pouco a desfruta devido à baixa demanda e à escassez de linhas de transmissão para seu principal mercado, que é Assunção e sua área metropolitana.

Brasília, além de ter negociado preços melhores na compra da energia que cabe ao sócio, está construindo uma linha de Itaipu até a capital do Paraguai, o que permitirá a este país atrair indústrias. Essa futura oferta de eletricidade barata interessa, por exemplo, à indústria de alumínio, que busca alternativas para o elevado custo da energia no Brasil.

O problema no Paraguai é “institucional, a ausência de marcos regulatórios”, disse à IPS o presidente da Associação Brasileira do Alumínio, Adjarma Azevedo, durante um congresso do setor realizado em maio em São Paulo. O alumínio, em cuja produção a eletricidade é o insumo mais caro, pode funcionar como “âncora para fixar a energia no Paraguai”, como fez no norte do Brasil, ao inaugurar em 1984 a grande central de Tucuruí, disse Azevedo.

No entanto, o “Estado mínimo”, que poderia ser um atrativo paraguaio para os negócios, também parece que os assusta, pela informalidade e instabilidade. A destituição de Lugo pode retardar todo o processo e colocar em risco a linha de transmissão elétrica, praticamente dada de presente pelo Brasil. A capacidade fiscal do governo paraguaio é limitadíssima, com a menor carga tributária do continente americano. O fato de só agora o Paraguai se preparar para aproveitar a energia de Itaipu é um sintoma das dificuldades de desenvolvimento do país, pois esse complexo foi inaugurado há 28 anos e cerca de 95% dos 14 mil megawatts que gera são destinados ao mercado brasileiro.

Mas a interdependência entre o país e seus vizinhos, particularmente Argentina e Brasil, torna complexo decidir sanções e outras medidas. O Mercosul se mantém desde sua criação, em 1991, com apenas quatro membros plenos, tendo agregado somente seis associados, com participação limitada. Expulsar o Paraguai seria um grave retrocesso. A Venezuela, com apoio argentino e brasileiro, há anos tenta ser membro pleno, mas o processo está parado justamente por falta de aprovação do Congresso paraguaio que depôs Lugo.

Várias alternativas políticas estarão em discussão na cúpula do Mercosul e da Unasul no final desta semana. Por exemplo, manter o Paraguai suspenso até as eleições presidenciais de abril ou até a posse do novo presidente em agosto de 2013. De todas as formas, o presidente substituto terá limitadas condições de governabilidade, apesar de a votação para destituir Lugo, acusado de “mal desempenho” de suas funções, assegurar imensa maioria parlamentar a Franco.

O Paraguai enfrenta uma queda econômica este ano, depois de ter crescido 15,4% em 2011, refletindo uma grande vulnerabilidade às condições externas. O principal produto de exportação é a soja, embarcada em portos do sul do Brasil e boa parte cultivada pelos brasiguaios, agricultores brasileiros que ocupam terras paraguaias e são outro fator de tensões bilaterais e internas. Além disso, o novo governo estará sob permanentes ataques políticos externos e pressão dos camponeses que reclamam a reforma agrária. Do território paraguaio, 80% está em mãos de menos de 2% dos latifundiários, segundo pesquisadores. Foi a repressão a ocupantes de uma fazenda, que resultou em 17 mortos, a origem da crise que desembocou na destituição de Lugo.

O Mercosul tem de “ser mais duro com o Paraguai” para bloquear ameaças contra a democracia e a integração em toda a América Latina, afirmou Joba Alves, dirigente do brasileiro Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no protesto realizado ontem diante do consulado paraguaio no Rio de Janeiro, que reuniu apenas cerca de 50 pessoas.

No Paraguai ocorreu “um golpe das elites latifundiárias” estimulado pelos Estados Unidos que buscam derrubar governos de esquerda, como o da Bolívia, afirmaram tanto Alves quanto o secretário internacional da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, João Batista Lemos. O Brasil adotou uma política de “generosidade” em relação aos países mais pobres da região, mas neste caso devem ser impostas sanções econômicas, com alternativas para eximir o povo paraguaio de sacrifícios, ressaltou Lemos. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Fabiana Frayssinet.