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Denúncias dos Estados Unidos contra o Irã são uma “ilusão perigosa”

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Londres, Grã-Bretanha, 6/9/2013 – O livro A Dangerous Delusion (Uma Ilusão Perigosa), de Peter Oborne, um dos analistas políticos mais destacados da Grã-Bretanha, e do físico irlandês David Morrison, que investigou sobre o engano ao parlamento e à sociedade britânica antes da guerra do Iraque de 2003, explica porque agora se considera o Irã como o bandido da história.

O texto deixará de mal humor os neoconservadores, os integrantes do israelense Partido Likud e os membros da família real da Arábia Saudita, mas é uma ajuda para todos os que não sabem o que pensar sobre o programa nuclear iraniano ser uma ameaça para a sobrevivência de Israel, para a segurança dos Estados árabes do Golfo e para a paz mundial.

Com estilo enérgico e conciso, bem como a indignação que caracteriza a boa crítica desde a época do poeta Décimo Junio Juvenal (entre os séculos 1 e 2), os autores poupam o leitor de detalhes que poderiam ser entediantes e o livro pode ser devorado em questão de horas. O argumento central é que o enfrentamento dos Estados Unidos e da Europa com o Irã por suas atividades nucleares é irracional e desnecessário.

A preocupação pelas intenções do Irã é, e continuarão sendo, legítimas, mas podem ser apaziguadas com medidas às quais o governo desse país já teve acesso em 2005, e mediante um controle internacional mais invasivo. Um instrumento legal internacional como o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) tem um papel de destaque. Este acordo, resultado da distensão que se seguiu à crise dos mísseis com Cuba, em 1962, teve um sucesso notável para dissuadir a propagação de armas nucleares. O Irã é um Estado parte do TNP desde sua entrada em vigor, em 1970.

Um funcionário norte-americano testemunhou no Senado, em 1968, que o TNP não proibia a aquisição de tecnologias nucleares que servissem para fins militares e civis (de duplo uso). O documento assumia que as partes teriam interesse em respeitar os termos pensados para limitar a propagação destas armas devastadoras e que a frequente supervisão internacional do uso de material nuclear desestimularia quem se visse tentado a se desviar.

Os problemas do Irã começaram com os testes nucleares da Índia em 1974. Nova Délhi nem mesmo assinou o TNP e usou plutônio como combustível, mas Estados Unidos e Europa interpretaram a explosão que esse país fez como uma prova de que os responsáveis por redigir o documento se equivocaram ao não preverem que fosse proibido aos Estados não nucleares adquirir tecnologias de duplo uso como as que permitem o enriquecimento de urânio.

Depois criaram o Grupo de Fornecedores Nucleares (NSG) e fizeram com que ficasse cada vez mais difícil para os Estados emergentes adquirir esse tipo de tecnologia, em definitivo, modificaram o TNP sem o consentimento das partes. Posteriormente, na década de 1990, autoridades israelenses começaram a denunciar, sem apresentar provas, que o Irã tinha um programa de armas atômicas e que em poucos anos poderia dotar-se de ogivas nucleares.

Quando, em 2002, a oposição começou a dizer que o Irã construía em segredo uma unidade de enriquecimento de urânio, muitos membros da Organização das Nações Unidas (ONU) estavam preparados para acreditar que violava o TNP ou estava perto de fazê-lo. Foi tal a sensação de perigo gerada pelos Estados Unidos e por alguns de seus aliados, que as pessoas resistiram ao fato de que não havia evidência alguma indicando que o Irã havia tentado manter a unidade de enriquecimento de urânio em segredo.

Por outro lado, o reconhecimento do Irã de que cientistas e engenheiros haviam realizado pesquisas nucleares não declaradas levou a pensar que Teerã havia informado sobre a unidade 180 dias antes de introduzir o material nuclear (e não antes), como era sua obrigação. O assédio sofrido pelo Irã desde 2004 inclui uma condenação da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e do Conselho de Segurança da ONU, o endurecimento das sanções, as ameaças de ataque dos Estados Unidos e de Israel, uma violação da Carta da ONU.

Tudo isso teria sido lógico e seria uma forma de fazer justiça se houvesse provas de que a República Islâmica tentava se dotar de armas atômicas. Contudo, não é o caso, afirmam Oborne e Morrison. Por outro lado, a inteligência norte-americana insiste, desde 2007, que não existe uma decisão do Irã de usar as usinas de enriquecimento para fabricar combustível para armas nucleares.

A AIEA reiterou que o material nuclear iraniano continua sendo de uso civil. Na verdade, a única atividade armamentista da qual se tem provas é o tipo de pesquisa que se presume realizaram todos os Estados parte do TNP. Em uma tentativa para explicar o manejo irracional do caso iraniano, os autores apontam a determinação dos Estados Unidos de impedir que o Irã se converta em uma grande potência no Oriente Médio.

Esse pode ser o argumento mais questionável da análise, já que há outras explicações, como o intenso lobby que fazem Israel e Arábia Saudita em Washington, Londres e Paris por considerarem o Irã como seu rival na região e necessitam justificar a demanda estratégica que fazem aos Estados Unidos. Não só isso, mas também a influência dos especialistas contrários à proliferação e que estão obcecados em preencher uma lacuna imaginária no TNP, os antecedentes do Irã em matéria de terrorismo e direitos humanos, e os antagonismos originados em lembranças amargas.

A hipocrisia das autoridades é, com razão, o alvo da indignação dos autores. Em 2010, a então secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, defendia assim a imposição de sanções contra o Irã: “Nosso objetivo é pressionar o governo iraniano, sem contribuir para o sofrimento dos iranianos que se locomovem a pé”. Dois anos depois, o presidente Obama, que objetivava a reeleição, presumiu assim: “Implementamos as sanções mais fortes da história e estão dizimando a economia iraniana”.

No entanto, os mais questionados pelos autores são os grandes meios de comunicação, os quais acusam de incluir no discurso público a ideia de que o Irã tem armas nucleares ou busca tê-las, mas ignorando fatos e servindo como veículo da propaganda anti-iraniana. Ao apoiar a ideia de que é preciso deter as ambições nucleares do Irã mediante sanções ou uso da força, esses meios correm o risco de repetirem seus próprios erros, como o de não questionar o caso Bush/Blair (o presidente dos Estados Unidos George W. Bush, 2001-2009, e o primeiro-ministro britânico Tony Blair, 1997-2007) sobre a guerra contra o regime iraquiano de Saddam Hussein (1979-2003).

A Dangerous Delusion foi escrito antes das eleições presidenciais no Irã, em junho, e pergunta se o ressurgimento de uma diplomacia pragmática em Teerã serviria para o Ocidente ouvir o “chamado à sensatez”, ao qual aderem seus autores. “É hora de no Ocidente perguntarmos por que sentimos essa necessidade de estigmatizar e punir o Irã. Uma vez que o façamos, nos surpreenderemos com a facilidade que é conseguir um acordo que satisfaça todas as partes”. Envolverde/IPS

* Peter Jenkins foi diplomata de carreira por 33 anos, após realizar seus estudos na britânica Universidade de Cambridge e em Harvard, nos Estados Unidos. Esteve em missão em Viena (duas vezes), Washington, Paris, Brasília e Genebra. Seu último cargo (2001-2006) foi de embaixador da Grã-Bretanha junto à AIEA e à ONU, em Viena. Desde 2006 representou a Associação de Energia Renovável e Eficiência Energética, assessorou o diretor do IIASA (Instituto Internacional para Análises de Sistemas Aplicados) e criou com outros colegas a Ambassadors Partnership, que oferece soluções para o setor corporativo na resolução de disputas por problemas transfronteiriços.