Bolton, Grã-Bretanha, 13/6/2011 – O Ministério do Interior da Grã-Bretanha decidiu que uma menina de cinco anos com grave deficiência deve regressar à Argélia. A decisão mostra a dureza com que alguns governos europeus cuidam dos problemas migratórios. Rania Abdechakour chegou em 2008 a Bolton, Norte do país, para passar um tempo com sua tia inglesa Johaina Talebe e seu tio argelino Moussa. O objetivo era ser submetida a um tipo especial de fisioterapia, paga por eles de forma privada.
Os problemas de saúde de Rania eram mais graves do que se pensava inicialmente. Primeiro foi diagnosticada paralisia cerebral quadriplégica. Depois apareceu a epilepsia e uma tendência a sofrer convulsões anóxicas (falta de oxigênio) que causavam parada cardíaca. Com a aprovação da mãe, os Taleb pediram uma prorrogação do visto por compaixão para receber cuidados médicos e tratamentos adicionais. O Ministério do Interior concordou e Rania pode permanecer na Grã-Bretanha por outros seis meses.
Os Taleb se apegaram tanto à sobrinha que quando estava para vencer a prorrogação do visto quiseram adotá-la, e com consentimento de sua mãe pediram permissão para a menina permanecer no país por tempo indefinido. Inicialmente, o pedido foi rejeitado pelo Ministério do Interior, sendo ignorado por um juiz por questões técnicas. No dia 6 de maio, no entanto, os Taleb ficaram sabendo que uma segunda negativa foi aceita e que Rania deveria regressar à Agélia.
A família apelou e começou uma campanha contra a deportação com ajuda da rede social Facebook, que reuniu mais de 2.500 seguidores em três semanas. A negativa da agência de fronteiras se baseou em um informe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de 2008 que diz que o governo argelino oferece atendimento médico gratuito a todos os cidadãos, incluindo crianças com deficiências. O Ministério do Interior também alegou que a relação entre Rania e seus tios não é parental, ignorando as necessidades específicas e a surpreendente melhora alcançada pela menina na Grã-Bretanha.
Rania frequenta uma escola, onde sua professora principal a descreve como “apreciada por alunos, pais e funcionários”. Os êxitos são um testemunho da equipe médica que a atende, e também da grande devoção demonstrada por sua tia. Ex-consultora em atendimento médico e social, Johaina Taleb tem uma filha de dois anos, mas há mais de três cuida de Rania como se também fosse sua filha.
Aos oito meses de gravidez, Johaina luta para deter o que considera uma “pena de morte”. A decisão do tribunal de apelações poderá ser emitida a qualquer momento nas próximas semanas. Em um café de Bolton ela reconheceu à IPS o “pânico total” que causa a possibilidade de receber outra resposta negativa do Ministério do Interior.
Os Taleb estão convencidos de que Rania não receberá na Argélia o mesmo tratamento que tem na Grã-Bretanha. “Quando se tem uma menina pequena com múltiplos problemas médicos, o sensato é manter a equipe médica que dela trata”, concorda o médico Roger Walker. “São incríveis os avanços que apresenta e gostaria que continuassem”, acrescentou.
Há muito tempo que o tratamento dispensado aos menores pelas autoridades britânicas de migrações é alvo de críticas. Desde 2002, 450 crianças foram deportadas para outros países europeus dentro do Sistema de Dublin, que obriga os solicitantes de asilo a iniciarem o trâmite no país europeu onde primeiro chegaram. O governo de coalizão anunciou, no ano passado, seus planos para criar “centros de reintegração” em Cabul para abrigar adolescentes afegãos que haviam chegado à Grã-Bretanha em busca de asilo sem pais ou tutores.
O caso de Rania é incomum e excepcional, mas a decisão de enviar uma menina em estado tão precário para um país que agora mal conhece é outro sinal do clima imperante. A menina foi incapaz de compreender a carta do Ministério do Interior dirigida a ela com a negação. O documento de quatro páginas explica que são necessários “controles de imigração efetivos para proteger o interesse coletivo e os direitos da população”, e alerta que “prejudica uma boa administração e o controle se os solicitantes veem o sistema como muito permeável, imprevisível ou superficial”.
“O tratamento que recebem crianças vulneráveis do sistema de imigração é um indicador importante de nosso comportamento em uma sociedade civilizada”, disse em fevereiro o Comissário da Infância para a Inglaterra. Há anos, os governos europeus recorrem à deportação ou se desfazem de estrangeiros ilegais, ou indesejáveis, como instrumento essencial de controle da imigração. O recurso ganhou urgência política no contexto da Primavera Árabe.
Em abril o governo da Itália afirmou que a deportação de 600 tunisianos serviu para dissuadir a imigração a partir do Norte da África. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, insistiu na semana passada que seu país continuaria deportando “imigrantes econômicos” do Norte da África. A maioria dos governos europeus evita qualificar a deportação como forma de dissuadir a imigração, ao contrário do que fez a Itália, e prefere considerá-la uma necessidade burocrática para garantir o cumprimento da norma.
Porém, depois, muitos se servem das estatísticas como instrumento político para criticar a falta de severidade e cultivar uma aura de solidez e implacabilidade. A dinâmica de mútua retroalimentação entre políticos e público contribuiu para criar um sistema institucionalizado de deportação cuja crueldade e falta de humanidade costumam ser espantosas.
A coalizão governante na Grã-Bretanha ainda balança por causa da resposta dada na semana passada por um jornal xenófobo à notícia de que continuavam no país mais de 160 mil solicitantes de asilo, cuja situação não estava resolvida. O fato de muitas dessas pessoas não terem lar e serem indigentes, em alguns casos há anos, não o impediu de condenar a “anistia aos solicitantes de asilo”. Envolverde/IPS