Para acelerar o crescimento brasileiro, será preciso também “superar o atraso tecnológico com maiores investimentos na pesquisa e educação, com o fortalecimento da grande empresa nacional, com a realização de parcerias com empresas estrangeiras, com maiores incentivos públicos”, diz o economista Anselmo Santos.
Diante da desaceleração da economia brasileira, a crise no setor industrial “está sendo mais generalizada” e afeta os setores tradicionais mais desenvolvidos e que, “juntamente com outros, estão enfrentando enormes dificuldades de competir no mercado interno e internacional”, assinala o economista Anselmo Santos à IHU On-Line em entrevista concedida por e-mail. Entretanto, aponta, os maiores desafios dizem respeito aos setores intensivos em tecnologia.
Segundo o economista, o baixo crescimento da indústria nacional está relacionado com a desaceleração econômica e com o agravamento da crise assim como o da concorrência internacional. As crises externas, acentua, exacerbam “os problemas relacionados ao processo de industrialização”, visto que restringem e limitam a expansão industrial.
Para evitar a desindustrialização e garantir o desenvolvimento brasileiro, Santos enfatiza que o país não deve priorizar um setor em detrimento de outro, mas sim “conseguir combinar o sucesso do agronegócio, da mineração, do pré-sal, com o fortalecimento da nossa indústria, com a manutenção dos principais setores industriais, que construímos com muito custo no período 1930-1980, e a internalização de novos ramos, naqueles que estamos muito atrasados para os padrões internacionais, como na microeletrônica, informática, máquinas e equipamentos, telecomunicações, química e farmacêutica, etc.”. E dispara: “o pré-sal é um segmento fundamental nessa perspectiva de buscar a ampliação do investimento e o desenvolvimento sustentado”.
Anselmo Santos é graduado e mestre em Ciências Econômicas. Doutor em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trabalha como professor no Instituto de Economia dessa instituição e é diretor adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do mesmo instituto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A que atribuiu o aumento do desemprego no setor industrial?
Anselmo Santos – Esse movimento deve-se principalmente à política de elevação da taxa de juros e de superávit primário, que afetaram duramente a economia brasileira no segundo semestre de 2011, e no primeiro semestre desse ano. Além disso, a taxa de câmbio muito sobrevalorizada até dois meses atrás, num cenário de encolhimento dos mercados e de acirramento da concorrência internacional, somou-se aos efeitos negativos provocados na indústria brasileira pela política econômica, com aumento de importações e grandes dificuldades para as exportações. Nesse contexto de juros muito altos, de desaceleração do ritmo de crescimento econômico, de agravamento da crise na zona do euro, a elevação da inadimplência e a retração do crédito privado também provocaram impactos negativos e as expectativas pessimistas em relação a novos investimentos completaram o quadro de forte desaceleração de inúmeros ramos industriais. Mesmo assim, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged/MTE) mostram que, de janeiro a junho desse ano, o saldo do emprego formal resultou na abertura de mais de um milhão de empregos regidos pela CLT. O saldo de emprego somente foi negativo no ramo de materiais de transportes (-3,8 mil empregos), embora tenha apresentado forte desaceleração na indústria mecânica e no segmento de alimentos e bebidas.
IHU On-Line – Qual a situação da indústria brasileira hoje? Quais são hoje os setores da indústria mais desenvolvidos e os que ainda enfrentam os maiores desafios?
Anselmo Santos – Do ponto de vista conjuntural, a situação parece estar melhorando com a redução da taxa de juros e de impostos, assim como deverá melhorar ainda mais com os impactos da elevação do preço do dólar. Este ano, a crise está sendo mais generalizada, afetando o segmento de material de transportes; papel, papelão, editorial e gráfica; mecânica; metalúrgica; e também a indústria de produtos alimentares e de bebidas. São ramos tradicionais já muito desenvolvidos no Brasil e que, juntamente com outros, estão enfrentando enormes dificuldades para competir no mercado interno e internacional. Por isto, a urgência de medidas de proteção e de promoção da competitividade, de elevação da produtividade.
Os desafios são maiores nos ramos mais intensivos em tecnologia, na microeletrônica e informática, na química e farmacêutica, na aeronáutica e comunicações, no segmento de máquinas e equipamentos, entre outros, nos quais apresentamos, em geral, um reduzido nível de desenvolvimento da produção e de incorporação de tecnologia. Nesses casos, não se trata somente de proteger; é preciso criar – e aí os problemas são bem maiores e complexos, e os investimentos mais difíceis de viabilizar. Desse ponto de vista, mais estrutural, o governo também vem adotando um conjunto de medidas que deve ter impactos muito positivos nos próximos anos, mas os esforços requeridos são maiores e o sucesso das políticas – industrial, setorial, de incentivos, etc. – mais imprevisíveis.
IHU On-Line – Como compreender a aumento das demissões e as crises da indústria automobilística, considerando que é uma das que mais recebem incentivo do governo federal?
Anselmo Santos – O que estava ocorrendo era uma forte desaceleração resultante do quadro de forte desaceleração econômica, num segmento que vinha crescendo num ritmo muito forte, que tinha elevados estoques e cuja demanda está muito associada às condições de crédito, que se deterioraram rapidamente; situação que está melhorando com as medidas implementadas pelo governo. Por outro lado, os incentivos do governo foram importantes e bem-sucedidos nos momentos de forte crise, em 2008-2009, e devem também ser nesse momento, sustentando a demanda de um setor que tem uma grande capacidade de puxar o crescimento de outros ramos de atividade. A política governamental para esse setor também tem sido importante do ponto de vista mais estrutural; e isso pode ser expresso pelo fato de que quase todas as montadoras do mundo estão presentes na produção nacional, o volume de produção interna aumentou de forma impressionante nos últimos anos e o Brasil passou a ser um dos países mais importantes na produção mundial de automóveis.
IHU On-Line – Dos recursos do BNDES, 64% foram aplicados em projetos de grandes empresas. Como compreender estes dados considerando o desenvolvimento da indústria como um todo? Por que no Brasil há uma tendência de favorecer mais as grandes indústrias e nem tanto as pequenas?
Anselmo Santos – O desenvolvimento da grande empresa é uma política estratégica para o desenvolvimento do país, para melhorar a competitividade e a forma de inserção na economia internacional, para promover maiores avanços na pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, assim como para que o país possa alcançar melhores condições em termos de autonomia financeira, no financiamento do investimento de longo prazo, no equilíbrio externo, etc. Ou seja, o desenvolvimento da produção, da tecnologia e das finanças passa pela necessidade de fortalecimento da grande empresa, especialmente das nacionais. E é claro que elas demandam mais recursos do BNDES, porque é muito maior o volume de investimentos associados a seus projetos, num país marcado por praticar uma das maiores taxas de juros do mundo e sem um adequado sistema privado de financiamento do investimento, de crédito de longo prazo.
É claro que isso não é incompatível com a melhoria das linhas de crédito do BNDES para o segmento de micro e pequenas empresas, que também tem se beneficiado de importantes linhas de financiamento deste e de outros bancos públicos. No entanto, pelo seu caráter estratégico na ampliação do investimento e do desenvolvimento do país, o crédito público para grandes empresas também possibilita a expansão e a abertura de novos mercados, que são fundamentais para que o segmento de médias e pequenas empresas tenham estímulos pela demanda, com a ampliação de seus mercados, que justifiquem a busca de um volume maior de financiamento.
IHU On-Line – Com a queda das exportações de commodities, o Brasil enfrenta novamente uma desaceleração econômica. Quais são as consequências desse modelo agroexportador para o país?
Anselmo Santos – A desaceleração não resulta do comportamento do setor de commodities; pelo contrário, ele apresenta um comportamento que ajuda a economia brasileira de várias formas, principalmente gerando um grande superávit comercial e contribuindo para melhorar os resultados das nossas contas externas, e seu comportamento deverá, muito provavelmente, melhorar nos próximos anos, quando (e se) passados os efeitos da atual crise internacional. O problema não é ter um forte setor produtor de commodities e exportador. Isto é uma grande vantagem. Na discussão do desenvolvimento, do risco da desindustrialização, a questão colocada não é a de escolher um setor em detrimento do outro – da indústria –, mas sim conseguir combinar o sucesso do agronegócio, da mineração, do pré-sal, com o fortalecimento da nossa indústria, com a manutenção dos principais setores industriais, que construímos com muito custo no período 1930-1980, e a internalização de novos ramos, naqueles que estamos muito atrasados para os padrões internacionais, como na microeletrônica, informática, máquinas e equipamentos, telecomunicações, química e farmacêutica, etc.
IHU On-Line – Nesse cenário de desaceleração econômica, percebe o retorno da desindustrialização? Ou pode-se dizer que a desaceleração é consequência da desindustrialização em curso há um tempo no país?
Anselmo Santos – A desaceleração econômica, num contexto de agravamento da crise e da concorrência internacional, exacerba os problemas relacionados ao processo de industrialização, porque tem restringido a expansão industrial num contexto de forte ampliação das importações de manufaturados e de enormes dificuldades para a ampliação das exportações na maioria dos ramos industriais. A desaceleração está muito mais associada, como disse, aos impactos da política econômica de elevação dos juros e do superávit primário, implementada desde o final de 2010, às restrições ao crédito e ao consumo interno e ao pessimismo – muito influenciado pela situação econômica e financeira internacional – que tem contribuído para adiar projetos e reduzir o volume de investimentos.
IHU On-Line – Como vê as políticas econômicas do governo Dilma? As medidas anticíclicas de combate à crise são suficientes para manter o crescimento? O que mais precisa ser feito?
Anselmo Santos – Essas políticas já estão mostrando seus efeitos positivos em termos de aumento da venda de automóveis, da ampliação do crédito, do aumento das exportações em alguns setores, como o de máquinas e equipamentos. Muita coisa ainda precisa ser feita; o mais importante é criar condições para a ampliação sustentada do investimento, para que ele amplie sua participação para um patamar de 24% a 25% do PIB.
O grande desafio é manter a taxa de juros num patamar baixo e organizar também – além do BNDES e de outros bancos púbicos – um sistema privado de financiamento de longo prazo adequado às necessidades desse processo. Será preciso também superar o atraso tecnológico com maiores investimentos na pesquisa e educação, com o fortalecimento da grande empresa nacional, com a realização de parcerias com empresas estrangeiras, com maiores incentivos públicos. A infraestrutura é também um aspecto decisivo, e isso – mesmo com as concessões ao setor privado – vai requerer uma forte ampliação do investimento público, que poderá ser viabilizada pelos impactos da recente queda da taxa de juros, ou seja, pelo menor custo com o pagamento de juros ao setor privado. Além disso, precisaremos contar com um cenário internacional mais favorável, pois, se a crise internacional se agravar muito, os esforços terão que ser bem maiores, e para alcançar resultados mais modestos.
IHU On-Line – Percebe-se, no caso do pré-sal, o desenvolvimento de uma indústria competitiva no país?
Anselmo Santos – O pré-sal é um segmento fundamental nessa perspectiva de buscar a ampliação do investimento e o desenvolvimento sustentado. Em torno desse segmento podemos articular a promoção do desenvolvimento regional, o maior desenvolvimento da pesquisa e do setor de máquinas e equipamentos; poderemos fortalecer ainda mais a indústria naval e de transportes, a cadeia da petroquímica, etc. Tudo isso poderá contribuir também para evitar uma situação de crise externa, para preservar a atual situação de menor vulnerabilidade também externa, que é importante para manter os juros baixos para atrair capital estrangeiro e para manter por um período mais longo políticas fiscal e creditícia expansionistas.
* Publicado originalmente no site IHU-Online.