Casablanca, Marrocos, 25/11/2011 – Quando Kacem el Ghazzali decidiu expressar em público seus pontos de vista sobre o Islã, não sabia que estava colocando sua vida em perigo. Contudo, isto não o impediu de continuar sua luta, mesmo no exílio, a favor da liberdade de culto no reino do Marrocos. Ghazzali pediu, no ano passado, à comunidade internacional que interviesse para pôr fim à shariá (lei islâmica) em países muçulmanos, e, depois disso, em uma mesquita um imã pediu sua morte.
O jovem estudante recebeu ameaças telefônicas e por e-mail. Depois apanhou bastante de seus companheiros e funcionários da escola secundária onde estudava, e acabou sendo alvo de uma campanha de solidariedade, conduzida por ativistas pelos direitos humanos que concluiu com seu asilo na Suíça, em abril deste ano. Criado em Meknes, 230 quilômetros a nordeste de Casablanca, Ghazzali recebeu educação religiosa de seu pai, que queria que ele fosse imã. Porém, para ele, a religião “é uma filosofia de perseguição e opressão que lança todas as perguntas fora da galáxia”, explicou.
“O moderno e democrático” Marrocos não tolerou que essas opiniões fossem publicadas no blog de Ghazzali, apesar do discurso oficial de abertura. A liberdade de culto, apesar de consagrada pela Constituição, está longe de ser aplicada na vida cotidiana marroquina. O Código Penal impõe até três anos de prisão para quem “desestabiliza” a fé muçulmana no reino. De fato, a população marroquina, que nasce muçulmana e adota outra religião ou se torna ateia, entra nessa categoria.
Os ventos da Primavera Árabe não conseguiram separar a política da fé neste país do norte da África, de 32 milhões de habitantes. O Islã continua sendo a religião do Estado na Constituição aprovada em 1º de julho deste ano. As cobranças de laicidade soaram no levante do Movimento 20 de Fevereiro, mas “a entrada de islâmicos no grupo rebelde arruinou essa iniciativa e a restringiu, até ser abandonada totalmente”, contou Ghazzali à IPS.
Sua opinião não é compartilhada por ativistas do Movimento. “O Marrocos é um país que respeita a liberdade de culto”, afirmou Mohammad Amine Manar, de Casablanca. “A prova é que os judeus marroquinos sempre tiveram o direito de praticar sua religião”, acrescentou. O Marrocos tem uma comunidade judia de aproximadamente 200 mil pessoas. A maioria residente no exterior. Contudo, esta tolerância com as religiões monoteístas não se estende aos que abandonam a fé de Maomé.
“É uma limitação das liberdades pessoais dos cidadãos e uma grave violação dos direitos humanos”, disse Ghazzali, que não está disposto a cruzar os braços. “Primeiro, deve-se construir um equilíbrio político para defender as liberdades individuais, e isto é o que faço com meus artigos e as campanhas que organizo”, explicou Ghazzali. “Todos os marroquinos, políticos e público em geral, devem estar conscientes” desta causa, acrescentou. A melhor forma de conseguir isto é “lançar um amplo debate público sobre a liberdade de culto, com força e responsabilidade”, ressaltou.
Outras vozes estimam que o que está em jogo não é um assunto cultural. “O respeito à liberdade de culto no Marrocos não se dará por uma cultura de tolerância, mas como fruto de pressões da comunidade internacional”, afirmou Manar. “A mescla de religião e política produziu um Islã político que nega o laicismo, mas não tem programas para resolver os problemas da sociedade”, afirmou Ghazzali. Os benefícios do Islã político marroquino começam com o Estado.
“Não se concebe abandonar a ideia de religião oficial. É a fé da maioria, a que prefere todas as formas de perseguição em lugar de o Estado deixar de proteger a religião”, acrescentou Ghazzali. A Constituição marroquina estipula que o rei é “Amir al Mouminine”, o comandante dos fiéis, em árabe. “Isto o converte em uma pessoa sagrada, a quem ninguém pode criticar nem questionar”, advertiu. “Esta sacralidade faz com que a sociedade marroquina, ao contrário do que ocorre em outros países da região, se contente com reformas em lugar do fim do regime”, ressaltou. Envolverde/IPS