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Desenterrando formigueiros em busca de comida

N’Djamena, Chade, 2/4/2012 – “Só Deus sabe o que acontecerá a mim e aos meus quatro filhos. Há dois meses que não temos nada para comer. Vivemos como mendigos”, disse à IPS a chadiana Henriette Sanglar. Esta família vive no bairro Moursal desta cidade, capital do Chade. “A fome está ganhando terreno inclusive aqui, em N’Djamena”, afirmou Diane Nelmall Koïdéré, enfermeira de um centro de saúde em Ardepdjoumal, na mesma cidade. “Das 14 crianças que vi hoje, pouquíssimas têm o peso normal para sua idade. Pode-se ver que não comeram nas últimas semanas. Os menores sofrem desnutrição de maneira cruel”, lamentou.

Um sinal da severidade da fome é que está afetando inclusive regiões agrícolas habitualmente produtivas, no sul do país. Blandine Karébey vivia na pequena aldeia de Bépala, mas se mudou para a capital a fim de ficar com seu irmão mais novo, Joseph Ngarmadji. Ela não quer voltar para sua aldeia com os dois filhos, de dois e cinco anos, nem mesmo quando as chuvas voltarem, porque os moradores esgotaram completamente suas reservas de comida e são obrigados a colher frutos silvestres e extrair raízes que em tempos melhores não se come.

Os efeitos da fome são sentidos particularmente na área que rodeia a capital, considerada o celeiro do país. Contudo, o impacto é ainda maior na região do Sahel, que geralmente recebe menos de 300 milímetros de chuva por ano durante a breve temporada chuvosa de três meses. Como ocorreu em 2011, quando as precipitações também não chegaram, a fome atingiu duramente o oriente do país, devastando comunidades nas regiões semidesérticas de Kanem, Guéra e Salamat.

As escassas chuvas levaram às más colheitas. Em muitos casos, três meses depois da colheita, os moradores dessas áreas já haviam comido tudo, consumindo, desesperados, até as sementes que seriam plantadas na temporada seguinte. Para sobreviver, ou recorrem à ajuda de organizações humanitárias ou se dirigem a cidades e outros centros povoados onde possam encontrar trabalho como domésticos, lavadores ou jardineiros.

Ao fazer uma escala na capital, Stephen Cockburn, coordenador regional de campanhas e políticas da Oxfam Internacional para a África ocidental, descreveu as medidas desesperadas que viu nas áreas rurais. Em Tassino, uma aldeia no distrito de Mangalmé, na parte central de Guéra, as mulheres desenterram formigueiros em busca de grãos armazenados ali pelas formigas.

“Mulheres e crianças são as mais vulneráveis da sociedade. Uma situação como esta, onde a escassez de alimentos faz os preços aumentarem entre 100% e 200%, tem efeitos devastadores e um impacto negativo sobre os mais fracos”, disse Marcel Ouattara, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Chade. “A crise afeta famílias que têm acesso limitado a serviços básicos de saúde e que enfrentam uma desnutrição crônica”, afirmou.

No começo de janeiro, as autoridades reconheceram o perigo iminente e anunciaram a disponibilidade de grãos a preços subsidiados, enquanto simultaneamente divulgaram um pedido de ajuda à comunidade internacional. O governo acumulou reservas de quatro mil toneladas de grãos no estatal Escritório Nacional para a Segurança Alimentar (Onasa). Quando, no começo deste ano, a fome foi formalmente declarada, o preço de uma saca de cem quilos de grãos (milho, sorgo) girava em torno de US$ 80, porém, o Onasa agora vende estes mesmos cereais ao preço subsidiado de US$ 20.

Entretanto, as pessoas afetadas pela fome veem apenas benefícios limitados nesta ajuda do governo. Isto tem dois motivos. Por um lado, muitos simplesmente não contam com dinheiro para comprar alimentos, nem mesmo a um preço tão reduzido. E por outro, os comerciantes atacadistas aproveitam a oportunidade para se abastecer com grandes quantidades destes alimentos, que podem revender a preço de mercado, triplicando seus lucros.

O governo implanta mecanismos para controle de preços, mas não age contra os comerciantes que tiram vantagem do sistema, e os ministros parecem conformados em divulgar comunicados de advertência. Os analistas criticam a apatia do governo, dizendo que assim incentiva a corrupção. No dia 19 de março, o ministro da Agricultura e Irrigação, Adoum Djimet, tentou tranquilizar o público diante da “imagem muito negativa que a mídia internacional dá à fome que afeta partes do país. O governo está tomando medidas para resgatar nossos compatriotas ameaçados pela fome”.

Diante da contínua ausência da assistência adicional anunciada pelo governo – que não deu detalhes do que fará nem explicou o atraso – e com agências humanitárias que atuam com lentidão, a população não pode fazer nada mais do que se desesperar. Um agente do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), que pediu para não ser identificado, disse à IPS que os fornecimentos estavam a caminho da N’Djamena, mas foram retidos no Porto de Douala, em Camarões.

Várias organizações não governamentais expressaram sua preocupação pela iminência da temporada de chuvas, alertando que, se a distribuição da ajuda não começar logo, as áreas mais afetadas ficarão inacessíveis, já que as estradas estarão intransitáveis. “A desnutrição continuará sendo profunda enquanto o governo e as agências humanitárias não derem uma resposta enérgica”, afirmou Codjo Edoux, chefe da missão da organização Médicos Sem Fronteiras presente no Chade. Envolverde/IPS