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Desenvolvimento de municípios cubanos na corda bamba

Ricardo Berriz aposta em construir a felicidade local em harmonia com a natureza. Foto: Ivet González/IPS

 

Havana, Cuba, 4/1/2013 – Cada um dos 168 municípios de Cuba enfrenta o desafio de criar uma estratégia própria de desenvolvimento que, além de avanços econômicos e sociais, minimize o impacto de fenômenos meteorológicos extremos e outros problemas causados pelo aquecimento global. “Não se pode empreender um processo de atualização do modelo sem considerar o estado variável do clima e a redução de riscos”, e isso será mais efetivo se nascer do pensamento coletivo e das capacidades de cada comunidade nesta ilha do Caribe, explicou à IPS o pesquisador Ricardo Berriz, do estatal Centro de Estudos de Desenvolvimento Local (Cedel).

Segundo este especialista e educador em temas ambientais, de 57 anos, a reforma em andamento objetiva empoderar legal, econômica e operacionalmente os governos municipais, um projeto que “abre uma janela de desafios e oportunidades” em matéria de progresso, mitigação e adaptação à mudança climática. Berriz, também participante de iniciativas regionais a respeito, conversou com a IPS sobre as transformações do cenário local, suas potencialidades e dificuldades do ponto de vista ambiental, do cidadão e econômico.

IPS: Quais brechas as mudanças econômicas e sociais abrem para o desenvolvimento local?

RICARDO BERRIZ: A atualização do modelo socioeconômico cubano oferece mais oportunidades, pois propôs o empoderamento local e cidadão e tudo indica que continuará. Hoje existem processos em marcha que descentralizam, concedem maiores capacidades de decisão aos municípios para produzir seu ordenamento. Agora lhes proporciona a possibilidade de decidir como projetar seu crescimento e cada um tem que acordar uma estratégia para minimizar danos ocasionados por desastres. Se uma região utiliza seu potencial econômico, sem considerar a redução de riscos, pode comprometer o esforço de muitos anos. Este projeto começa agora e pouco a pouco ganhará o contexto legal, a institucionalidade, os desenhos e modos de participação mais adequados. Terá característica nacional, mas cada localidade apresentará suas diferenças segundo sua cultura, geografia, setores de produção, etc.

IPS: Quais os riscos gerais que enfrentam quando incidem suas características?

RB: Em geral, o desenvolvimento municipal corre risco pelo aumento do nível do mar e pela ocorrência de eventos meteorológicos extremos, como tempestades, ventos e secas mais severas, provocadas pelo aquecimento global. Outra consequência são os impactos na saúde humana pelo surgimento de doenças desconhecidas e à virulência e maior incidência na população de algumas enfermidades controladas no passado. Por ser uma ilha, Cuba tem muitos municípios costeiros, também expostos a outros problemas ambientais, como a degradação de seus litorais e a perda de mangues. No prazo de 50 a cem anos haverá áreas próximas ao mar perdendo importantes extensões de terra, hoje destinadas à produção ou à moradia. Também os municípios montanhosos apresentam ecossistemas vulneráveis à degradação dos solos, que se intensifica pelas inclinações e desmatamento. Neles incide o fator demográfico, como a baixa densidade demográfica, com tendência à diminuição. Outros municípios possuem áreas com biodiversidade única, necessitadas de proteção especial. Naqueles com grandes conglomerados urbanos, eventos como os furacões causam grandes complicações. A maioria dos distritos cubanos conta com grande produção agrícola, e por isso devem salvaguardar esse vulnerável setor de atividade.

IPS: Que base têm agora os governos locais para criarem estratégias de desenvolvimento sustentável no contexto da mudança climática?

RB: Em boa parte dos municípios existe um Centro de Gestão para a Redução de Risco, dotado de capital humano e pouco a pouco incorporará capacidade tecnológica, para gerar informação e identificar saberes e conhecimentos. Com isso, os municípios tomam decisões de curto, médio e longo prazos. Por exemplo, apresentaram planos sobre inundação de seus territórios, que até há pouco tempo não existiam. Foram incorporados os sistemas de alerta a esta escala, inclusive nos conselhos populares (estruturas de governo em nível de bairros e pequenas localidades) que os exigiram, devido à ocorrência de eventos locais severos. A preparação para enfrentar a mudança climática é de vários anos, com um trabalho muito intenso nas últimas duas décadas. Cuba tem um sistema de defesa civil muito eficiente e articulado, que vincula todas as autoridades e os setores da população. Contudo, estão mudando os conceitos. Já não se trata apenas de responder ao desastre, mas de reduzir paulatinamente as vulnerabilidades para diminuir os riscos que hoje enfrentam, desde os sistemas produtivos até naturais e a saúde humana. Também devem ser desenhados e levar em conta os cenários futuros.

IPS: Quais os obstáculos a serem vencidos?

RB: O Cedel agora mesmo acompanha 20 municípios, muito diferentes entre si, com preparação técnica para que apresentem suas estratégias de desenvolvimento. De forma geral, embora não seja igual em todos os casos, não contam com capacidades necessárias para avançar de maneira autônoma. Estes distritos enfrentam dificuldades de organização e financeiras, que as autoridades pretendem mudar com o reordenamento territorial e ambiental do lugar. Tampouco sabem como calcular a viabilidade econômica, ambiental e sociocultural de seus projetos para que sejam sustentáveis. Isto é, sobretudo, um grande desafio educacional. É necessário fomentar uma cultura de prevenção e adaptação diante da mudança climática. Cada governo local está obrigado a cumprir a Estratégia Ambiental Nacional. Porém, após as mudanças de mandato, a prioridade dada aos assuntos ambientais pode variar. É a sociedade a encarregada de exigir a manutenção dessa preocupação.

IPS: Existe uma sociedade consciente disso?

RB: Ainda não existe essa sociedade, embora não seja uma realidade absoluta. Temos muito pela frente em matéria de cultura legal e participação cidadã, apesar de termos avançado. É preciso apresentar este assunto a cada ano. As novas gerações o concebem de maneira diferente, as mulheres, os homens, as pessoas das cidades e os camponeses… Entretanto, o processo está andando. O papel do Cedel é colaborar para que transcorra em um período razoável. Envolverde/IPS