Nova York, Estados Unidos, 29/1/2015 – A aldeia de Dong Mai, no coração agrícola do Vietnã, tinha um problema grave. Para aumentar sua escassa renda, seus moradores, artesãos que antes elaboravam e vendiam moldes em bronze, se dedicaram a fundir manualmente no quintal de suas casas baterias de chumbo ácido retiradas de carros e caminhões velhos. Em consequência, 2.600 pessoas da área tinham altos níveis de chumbo no sangue.
A água e a terra de Dong Mai ficaram extremamente contaminadas, de 32 a 36 vezes mais do que os limites aceitáveis. As pessoas adoeciam, incluindo as crianças. Uma casa analisada com um equipamento de fluorescência de raio X registrou níveis de chumbo 50 vezes maiores do que a norma fixada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.
O governo conhecia o problema, mas o custo da reparação, calculado em milhões de dólares, era esmagador. Então, em colaboração com o não governamental Instituto Blacksmith Para Uma Terra Pura, dos Estados Unidos, encontrou a forma de enfrentar o problema por apenas US$ 20 por pessoa. Após seis meses de um importante trabalho de recuperação, em fevereiro de 2014 o nível de chumbo na população havia baixado quase um terço.
“A vontade política precisa de tempo para ser gerada”, disse à IPS o presidente do instituto, Rich Fuller. “Os governos precisam de dados sólidos sobre o alcance dos problemas e de como resolvê-los. A maioria apenas começa a formar sua equipe e as ONG que prestam apoio, em lugar de críticas, têm sido de grande ajuda”, acrescentou.
Junto com a Cruz Verde Suíça e a Aliança Mundial Sobre Saúde e Contaminação (GAHP), o Instituto Blacksmith publicou, no dia 27, um informe com dez casos de países onde a limpeza ambiental teve sucesso, como o de Dong Mai. Os outros casos destacados no documento aconteceram em Gana, Senegal, Peru, Uruguai, México, Indonésia, Filipinas, região de Tomsk na antiga União Soviética e Quirguistão.
O informe assinala que a contaminação tóxica mata mais de 8,9 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano, a maioria delas meninos e meninas, e a grande maioria, 8,4 milhões, em países de rendas baixa e média. Para melhor compreender esses números, isso equivale a 35% mais do que as mortes causadas pelo tabagismo, quase três vezes mais do que as vítimas da malária e 14 vezes mais do que as provocadas pelo HIV/aids.
“Contrariando a crença popular, muitos dos piores problemas de contaminação não têm sua origem nas empresas transnacionais, mas em atividades menores mal reguladas, como a mineração artesanal, pequenos polígonos industriais ou fábricas abandonadas”, explicou Stephan Robinson, da Cruz Verde Suíça. “No entanto, as nações de alta renda contribuem indiretamente com sua demanda por matéria-prima e bens de consumo. Assim, apoiam muitas dessas indústrias menores, o que agrava os problemas de contaminação nos países de baixa renda”, afirmou.
O chumbo, o culpado em Dong Mai, é especialmente devastador para as crianças. Pode danificar o cérebro e o sistema nervoso, causar atraso no desenvolvimento e até provocar a morte. As crianças também tendem a ter maior exposição porque brincam na terra e levam as mãos e outros objetos à boca.
Os contaminantes têm custo entre 6% e 12% do produto interno bruto nos países de rendas baixa e média. O informe do Instituto Blacksmith deste ano prioriza as soluções práticas e replicáveis que não exigem grande quantidade de dinheiro para sua aplicação. “Só uns poucos países seguiram esse caminho. Queremos dar-lhes crédito, foram exemplos para ampliar o trabalho sobre a contaminação em outros países”, destacou Fuller.
No caso de Dong Mai, em lugar de retirar o solo contaminado e levá-lo para um depósito, os quintais das casas foram tapados com areia, uma camada de geotêxteis, 20 centímetros de solo compactado limpo, tijolos e, finalmente, concreto na parte superior para selar o chumbo. Após uma campanha educativa, 50 moradores repararam seus próprios quintais dessa maneira. O que poderia ter custado cerca de US$ 10 milhões foi realizado com apenas US$ 60 mil.
“É frequente o sucesso em um país se refletir em um projeto em outro. Isso ocorreu com o caso de envenenamento por chumbo e lixo eletrônico. O modelo da GAHP é de colaboração entre os organismos internacionais e entre os países, que se ajudam entre si para resolver esses problemas terríveis”, detalhou Fuller.
Em Thiaroye Sur Mer, no Senegal, a reciclagem das baterias de chumbo foi substituída por jardins hidropônicos. Na Cidade do México, uma refinaria de petróleo contaminada se transformou no parque urbano Bicentenário, que recebe um milhão de visitantes por ano. Em Agbogbloshie, em Gana, a reciclagem informal de lixo eletrônico mediante a queima que libera toxinas agora acontece de maneira segura por meio de máquinas.
“Trabalhamos muito para encontrar soluções que funcionem para os recicladores locais”, ressaltou no informe Kira Traore, a diretora de programas do Instituto Blacksmith na África. “A proibição da queima não os ajudaria a obter uma renda. Em troca, poderiam levar a prática para outros lugares, o que ampliaria a contaminação e o número de pessoas afetadas”, acrescentou.
Os especialistas afirmam que fontes locais de contaminação, em particular metais pesados como mercúrio e arsênico, costumam ser muito móveis e causar problemas de saúde a milhares de quilômetros de distância. “O mercúrio da extração artesanal do ouro e das usinas de carvão viaja pelo mundo e é encontrado no pescado que, por exemplo, se come como sushi em Londres”, afirmou Robinson.
“O DDT (dicloro difenil tricloroetano) é encontrado na gordura corporal dos habitantes da Groenlândia, embora nunca tenha havido agricultora ali”, pontuou Robinson. “O ar contaminado da China e de outros lugares pode ser medido em outros países. Os radionuclídeos dos desastres nucleares, como o de Chernobyl, alcançaram outros países na maior parte da Europa”, destacou.
Em essência, os países ricos não só têm uma obrigação moral mas também um grande interesse em ajudar as nações mais pobres frente a contaminação, insistiu Robinson. “As nações ocidentais tiveram êxito na limpeza de sua contaminação tóxica dos últimos 40 anos e podem transferir tecnologia e conhecimentos aos países de baixa e média rendas. Concretamente, sabemos como mudar a situação porque já o fizemos”, assegurou. Envolverde/IPS