Genebra, Suíça, 18/10/2013 – As conversações desta semana sobre o programa nuclear iraniano se caracterizaram por expressões de alento e esperança, pelo compromisso de continuá-las no próximo mês e por vários fatos sem precedentes. Entre os funcionários das duas partes reunidos em Genebra predominou o hermetismo sobre os detalhes da nova proposta que o chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, apresentou no dia 15 ao grupo P5+1 (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia mais Alemanha).
Mesmo assim, a IPS pôde conhecer um elemento fundamental de um potencial acordo: o Irã estaria disposto a implementar o Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O vice-chanceler iraniano, Abbas Araqchi, que assumiu a representação de seu país nas conversações depois que Zarif apresentou a proposta, garantiu, em conversa exclusiva com a IPS, que Teerã está aberta a implantar o Protocolo Adicional como parte de um acordo final.
“O Protocolo Adicional será parte do resultado final”, afirmou Araqchi à IPS ontem, no saguão de seu hotel em Genebra. “Estará sobre a mesa, embora não no momento, mas será parte do resultado final”, declarou. Na opinião de analistas, é fundamental que o Irã aceite padrões de segurança avançados para seu plano de desenvolvimento econômico. “O Protocolo Adicional é a única forma existente de garantir que não haja atividades clandestinas”, opinou Ali Vaez, especialista em Irã do Grupo Internacional de Crise, em conversa com a IPS.
Esse instrumento “dá à AIEA acesso a todas as partes do ciclo do combustível nuclear. A agência poderá realizar inspeções surpresa avisando com duas horas de antecedência em instalações declaradas do Irã e com 24 horas em instalações não declaradas”, explicou Vaez. Outro estudioso do tema iraniano, Trita Parsi, recordou que Teerã já havia começado a aplicar o protocolo em 2003, como parte de uma negociação com o grupo UE-3 (Alemanha, Grã-Bretanha, França) para adotar critérios objetivos para o programa de enriquecimento de urânio.
Entretanto, essas gestões fracassaram, em parte pelas fortes objeções do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush (2001-2009), e portanto Teerã deixou de aderir ao protocolo em 2006. “A Europa já havia conseguido o que queria: o Irã deixou de enriquecer urânio e implantava o protocolo”, detalhou Parsi à IPS. “Essa é uma das razões pelas quais agora os iranianos querem estabelecer com antecipação qual é o objetivo” das conversações, acrescentou.
“Nunca houve conversações tão intensas, detalhadas, francas e sinceras com a delegação iraniana”, disse um alto funcionário norte-americano a jornalistas em Genebra, e confirmou que o diálogo será retomado, nessa mesma cidade suíça, nos dias 7 e 8 de novembro. “Diria que estamos iniciando esse tipo de negociações para chegar a um lugar onde se possa imaginar que um acordo é possível”, pontuou. A fonte também reconheceu que ainda persistem “sérias discrepâncias”, acrescentando que, “se não houvesse diferenças, isso teria sido resolvido há muito tempo”.
Zarif, que abandonou Genebra com grave dor nas costas, destacou, na entrevista coletiva do dia 16, que participara de “negociações substanciais e com visão de futuro”. E “percebemos que os membros do P5+1 também mostraram a vontade política necessária para impulsionar o processo, e agora temos que nos concentrar nos detalhes”, afirmou o ministro iraniano em inglês, sentado em uma cadeira de rodas, ao término da sessão plenária final.
Genebra foi palco de vários progressos. A reunião a portas fechadas, no dia 15, entre a subsecretária de Estado norte-americana para Assuntos Políticos, Wendy Sherman, e o vice-chanceler iraniano, Abbas Araqchi, foi a primeira desse tipo desde 2009. Teerã e Washington já haviam feito história no mês passado, quando o secretário de Estado, John Kerry, se reuniu com Zarif por 30 minutos, em paralelo à sessão anual da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Nossa discussão bilateral de ontem foi útil”, disse outro funcionário norte-americano, no dia 16. Outra importante novidade foi que as conversações de Genebra, pela primeira vez, aconteceram completamente em inglês. “O ritmo da discussão é muito melhor, pois permite ter realmente o tipo de ida e volta necessário em uma negociação”, acrescentou a fonte a jornalistas. Depois de insistir que não comentaria os detalhes de sua proposta, Zarif esclareceu que seu país não vai implantar o Protocolo Adicional nesta etapa.
“Esses temas estão sobre a mesa, e estão sendo discutidos e continuarão sendo discutidos em várias etapas do processo”, afirmou Zarif. “Queremos garantir o direito do Irã à tecnologia nuclear e garantir à outra parte que nosso programa atômico é pacífico”, afirmou Araqchi, no dia 15. “O primeiro passo implica reconstruir a confiança mútua e abordar as preocupações das duas partes”, ressaltou, reconhecendo que o processo poderia também apelar “para as ferramentas de verificação” da AIEA.
O passo final será uma ‘fatua” (decreto religioso) do líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, proibindo a construção ou a posse de armas nucleares. Esse será “o ponto mais importante” do processo, enfatizou Araqchi. “O Irã usará suas próprias instalações nucleares, incluindo seu reator atômico de pesquisa, com fins pacíficos”, destacou, acrescentando que a última fase da proposta iraniana também inclui “o levantamento de todas as sanções” contra Teerã.
Outra novidade do encontro é a “declaração conjunta” de Zarif e da alta representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, Catherine Ashton. O texto diz que especialistas em sanções participarão de uma reunião de “especialistas”, que acontecerá antes da nova rodada de conversações de novembro, para “atender as diferenças e considerar passos práticos”. Também é a primeira vez que a delegação norte-americana inclui especialistas em sanções.
No entanto, falta ver que tipo de alívio nas sanções está disposto a oferecer o P5+1, bem como os prazos para sua implantação, no contexto de um acordo geral que inclua medidas para fomentar a confiança. A insistência do Irã em ter seu direito a enriquecer urânio em seu próprio solo e com fins civis consagrado em qualquer acordo final continua sendo um grande problema para o Congresso dos Estados Unidos, onde o lobby israelense exerce grande influência.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, leva adiante há semanas uma campanha contra um acordo que não obriga Teerã a renunciar a qualquer tipo de programa atômico. No dia 10, o presidente norte-americano, Barack Obama, recebeu uma carta na qual dez dos mais importantes senadores, tanto de oposição como governistas, afirmam estar “prontos para avançar para novas sanções a fim de aumentar a pressão sobre Teerã” nos próximos dias.
O funcionário norte-americano que falou com a imprensa em Genebra informou que, nas próximas semanas, haverá reuniões a portas fechadas entre representantes do governo Obama e congressistas. “No final, a prerrogativa será dos legisladores, mas tenho confiança de que continuaremos sendo sócios com o mesmo firme objetivo, que, acredito, as duas partes têm”, acrescentou. Essa fonte também informou que haverá contatos com os principais aliados de Washington, como Arábia Saudita e Israel, céticos e inclusive contrários a qualquer acordo que permita ao Irã continuar com o enriquecimento de urânio. Envolverde/IPS