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Diante da crise ressurge o protecionismo

Buenos Aires, Argentina, 25/6/2012 – Há poucos dias de outra cúpula do Mercosul, a liberalização comercial não é só um desafio pendente como enfrenta cada vez mais entraves dentro do bloco. Embora a crise institucional do Paraguai tenha deslocado este assunto do centro do debate, também terá um espaço importante nas reuniões ministeriais. Longe de aproveitar a crise econômica global para aumentar o comércio intrarregional, os quatro países do Mercosul colocam obstáculos entre si. Sobretudo as duas maiores economias travam o fluxo procedente das duas menores.

A disputa pelo protecionismo tem de um lado Brasil e Argentina, que mantêm as maiores restrições ao comércio intrabloco e também do resto do mundo, e, do outro, Paraguai e Uruguai, que lutam para melhorar as condições de acesso aos mercados. Isto acontece enquanto, paralelamente, o bloco pretende dar passos na próxima cúpula, nos dias 28 e 29, na cidade argentina de Mendoza, destinados a preparar o caminho para a entrada de outros países, como Equador e Venezuela (já em processo de adesão plena), para ampliar seu espaço econômico.

O presidente do Uruguai, José Mujica, propôs revisar no encontro o tratado constitutivo do Mercosul, de 1991, para introduzir uma nova cláusula jurídica que permita contornar o único veto à adesão plena venezuelana, que é do parlamento paraguaio, uma iniciativa apoiada por Cristina Fernández, da Argentina, e Dilma Rousseff, do Brasil. Também Fernando Lugo, destituído de modo fulminante no dia 22 do cargo de presidente constitucional do Paraguai, apoiava a proposta.

Entretanto, a crise institucional paraguaia mexe com tudo, porque o novo mandatário, Federico Franco, é um dos opositores à adesão venezuelana, e os outros três governos do grupo condenaram o que consideram um golpe de Estado amparado em resquícios da legalidade. Buenos Aires, Brasília e Montevidéu também anunciaram que não reconhecem Franco, e inclusive Dilma Rousseff propôs a expulsão do Paraguai do Mercosul, o que poderia se concretizar na cúpula ou até antes.

Antes desta crise, o Equador também esperava que se solucionasse o problema do veto legislativo paraguaio para pedir autorização para ter acesso ao bloco de modo pleno, enquanto o grupo mantém relações especiais com Bolívia e Chile. Contudo, apesar da vontade política de abrir-se a novos sócios, Argentina e Brasil parecem olhar para o outro lado quando se trata de remover travas ao comércio, inclusive se o fluxo vem de países com importantes assimetrias.

O economista argentino Gabriel Molteni, coautor do ensaio 20 Anos Depois: Êxitos e Desafios Pendentes do Mercosul, disse à IPS que, “além de avanços no processo de convergência entre os sócios, há restrições no comércio intrabloco”. Além das salvaguardas acordadas em itens sensíveis, como o do comércio de açúcar ou dos automóveis, Molteni apontou o uso cada fez mais frequente de “licenças não automáticas”, às quais se apela para “administrar” o intercâmbio.

A pesquisa de Molteni e outros especialistas, publicada na revista Integração e Comércio, de dezembro, do Instituto para a Integração da América Latina e do Caribe (Intal), indica que, enquanto na União Europeia o comércio dentro do bloco supera os 60%, no Mercosul estava em 15% em 2009. “Em termos relativos o intercâmbio intrarregional avançou pouco em relação ao comércio externo do bloco que cresceu muito, devido principalmente ao boom da demanda de matérias-primas, principal item de exportação dos sócios”, explicou o economista. No entanto, Molteni acredita que “houve uma mudança nas posturas dos governos e agora não vale apenas a abertura comercial, mas um mix também com o mercado interno, ao qual se dá uma importância diferente da que tinha na década de 1990”.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior, José Augusto de Castro, admitiu à IPS que no Mercosul estão sendo aplicadas medidas restritivas “oficiosas, não oficiais”. Contudo, assegurou que essa prática é realizada sobretudo pela Argentina, mais do que pelo Brasil. Explicou que os mecanismos mais usados são as licenças não automáticas, que “são legais e não protecionistas” e retardam a entrada de mercadorias por 60 dias. Mas não o fazem por 90 ou 180 dias porque isso provoca a suspensão da transação, ressaltou.

Em uma estratégia que objetiva conseguir que empresas transnacionais ou do Brasil se instalem em seu território, a Argentina apela com frequência para esta ferramenta para importação de eletrodomésticos, calçados, máquinas agrícolas e outros bens. A Associação Brasileira das Indústrias do Calçado denunciou, na semana passada, que há quase dois milhões de pares de calçados aguardando licenças automáticas de importação na entrada da Argentina. Segundo a entidade, alguns dos casos esperam pela licença desde abril, ou seja, mais do que os dois meses de prazo máximo exigido.

Entretanto, também no Brasil são adotadas medidas de proteção. Por exemplo, foi aumentado em 30% o imposto sobre veículos importados que não tenham 65% de conteúdo nacional. Para Castro, com a queda dos preços internacionais das matérias-primas (os grandes itens de exportação do bloco), poderá haver um déficit comercial que empurre os sócios à “tentação protecionista”. Porém, com o superávit comercial que o Brasil ostenta atualmente em relação aos seus sócios, não se justifica restringir o comércio, acrescentou.

“Facilitar importações a partir de seus sócios no Mercosul não representaria muito na balança comercial brasileira”, apontou Castro, que atribuiu os entraves não ao governo mas a “iniciativas de empresas”. O dirigente reconheceu que o Mercosul poderia servir de resposta à crise mundial que provoca uma queda na demanda. “É possível crescer dentro do bloco, o Mercosul pode ser uma pequena válvula de escape”, destacou. No momento acredita-se que se impõe “abandonar a exigência de unanimidade” para ganhar “liberdade de ação”. Como exemplo mencionou o caso do Uruguai, que reclama acordos unilaterais por fora do bloco, e do Brasil, que estaria disposto a avançar em uma aliança com a União Europeia.

O Uruguai destina quase 30% de suas exportações para o bloco, especialmente Brasil e Argentina, e este intercâmbio lhe tem dado dor de cabeça ultimamente pela demora nas autorizações de importação por parte dos grandes. Com a pressão dos empresários exportadores, que veem estes problemas no bloco, Mujica pedirá na cúpula, segundo fontes citadas pela imprensa uruguaia, que se habilite o país a negociar acordos extrabloco. Esta informação coincide com a postura antiprotecionista expressada há alguns dias pelo vice-presidente uruguaio, Danilo Astori, o qual afirmou que “o pior que poderia fazer um país como o Uruguai nestes tempos de crise é se fechar”.

O Paraguai, diante de sua crise institucional, também pensava levar suas queixas comerciais a Mendoza. Havia anunciado que pediria à Argentina a liberação da passagem de energia procedente de centrais elétricas paraguaias (que compartilha com Argentina e Brasil) para o Uruguai, que assim poderia adquiri-la a um preço menor do que o cobrado pelos dois sócios maiores. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Raúl Perri (Mondevidéu) e Mario Osava (Rio de Janeiro).