Johannesburgo, África do Sul, 10/7/2012 – Os preparativos para as primeiras eleições em Angola em 16 anos, previstas para 31 de agosto, sofrem o impacto de denúncias de fraude, parcialidade nos meios de comunicação e da violenta repressão a ativistas e manifestantes. A organização Human Right Watch (HRW), com sede em Nova York, criticou o governo pela dura resposta às manifestações de rua por parte de soldados da reserva que exigem o pagamento de pensões atrasadas.
A HRW declarou estar especialmente preocupada com a série de ataques violentos contra grupos de jovens que criticam o governo. “A última onda de sérios abusos contra manifestantes é um sinal alarmante de que o governo de Angola não vai tolerar a dissensão pacífica”, alertou a subdiretora da organização para a África, Leslie Lefkow. “O governo deveria deixar de tentar silenciar estas manifestações e se concentrar em melhorar o clima das eleições”, acrescentou. Enquanto isso, a oposição mostra seu descontentamento sobre como as eleições são organizadas.
No dia 6, as autoridades proibiram a inscrição de vários partidos, supostamente por irregularidades em seus documentos. Dos 27 partidos que se apresentaram para disputar as eleições, somente nove foram formalmente aprovados pelo Tribunal Constitucional. Entre os que foram rejeitados estão o Bloco Democrático, liderado por Justino Pinto de Andrade, e o Partido Popular, criado pelo advogado de direitos humanos David Mendes.
“Este é um sintoma de problemas na democracia angolana. Deliberadamente foram bloqueados os partidos que realizam campanha pelos direitos humanos e que mostram solidariedade com causas sociais”, declarou à IPS o secretário-geral do Bloco Democrático, Filomeno Viera Lopes. O maior partido opositor, a União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita), foi autorizado a competir, mas ainda assim é duramente crítico de vários aspectos do processo eleitoral, especialmente a licitação de serviços como a impressão das cédulas.
Também colocou em dúvida a independência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) em relação ao governante Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). A CNE rechaçou acusações de estar procedendo incorretamente, e seu presidente, André da Silva Neto, assegurou que as eleições serão realizadas com “imparcialidade, transparência e justiça”. O MPLA também negou as acusações de fraude e de que esteja reprimindo ativistas. Vários altos funcionários do governo, incluindo o próprio presidente José Eduardo dos Santos, disseram que o partido é muito popular e, portanto, não precisa forjar as eleições.
“Do ponto de vista judicial, temos muitos problemas porque a CNE ainda está violando a lei eleitoral, e pensamos em apresentar queixa formal nos tribunais constitucionais sobre vários temas”, disse o porta-voz da Unita, Alcides Sakala. Ele também se queixou da parcialidade dos meios de comunicação a favor do partido governante. Sakala expressou preocupação sobre um plano para permitir que oficiais da polícia e do exército votem um dia antes das eleições. “Como isso será supervisionado?”, perguntou. “Ninguém pode controlar isso, o que desperta muita preocupação de nossa parte”, ressaltou.
Embora a Unita continue sendo o maior partido, com 16 cadeiras no parlamento, enfrenta forte competição por parte do novo bloco Convergência Ampla para a Salvação de Angola (Casa-CE). Criada há alguns meses por Abel Chivukuvuku, ex-membro da Unita com estreitos vínculos com o líder da independência Jonas Savimbi, a coalizão introduziu uma nova dinâmica no cenário político angolano.
O analista político Markus Weimer, do centro de estudos Chatham House, que tem sede em Londres, pontuou que, mesmo que o Casa-CE obtenha apenas poucas cadeiras no parlamento, seu surgimento mexeu com o MPLA. “Creio que o MPLA está preocupado com o Casa-CE porque ainda não o conhece bem. O partido parece ter surgido do nada, e por isso não estão muito certos de como enfrentá-lo”, afirmou. Weimer disse estar convencido de que o MPLA, que mantém um forte controle sobre a economia e os meios de comunicação estatais e privados, ganhará as eleições de agosto, e acrescentou que é crucial acabar com as suspeitas sobre o processo eleitoral. “O processo deve ser visto como legítimo por todos para que o triunfo do MPLA seja aceito”, explicou Weimer. “O MPLA, inclusive, estaria disposto a perder cadeiras se isto significar que as eleições serão consideradas legítimas e com legitimidade”, destacou.
A experiência eleitoral angolana é escassa. Neste país foram realizadas apenas duas eleições desde sua independência de Portugal em 1975. A votação de 2008 aconteceram de forma pacífica apesar das propagadas denúncias de fraude, enquanto as de 1992 foram suspensas na metade do caminho, o que desatou nova fase da guerra civil que durou até 2002. A primeira etapa da guerra civil começou imediatamente depois da independência e durou até 1991.
Há temores de que os partidos de oposição sintam que as eleições não são realizadas de forma justa, o que poderia derivar em protestos e instabilidade. “Queremos manter um enfoque positivo para evitar isso”, enfatizou Sakala. “Insistiremos no cumprimento da lei para poder evitar situações que possam levar a outras dificuldades que não são boas para o país”, acrescentou. Nas eleições serão eleitos os membros do parlamento e o presidente, segundo estabelece uma reforma constitucional, de 2010, que também gerou polêmica.
O MPLA parece estar a caminho de uma vitória, o que daria mais cinco anos a Santos. Sua longa permanência no poder – desde 1979 sem nunca ter sido formalmente eleito – assim como as denúncias de enriquecimento ilícito de sua família e de seu círculo próximo, são os motivos principais dos protestos dos grupos de jovens. Apesar da enorme riqueza petroleira do país e do impressionante crescimento econômico alcançado depois da guerra civil, entre metade e dois terços da população angolana ainda estão na pobreza, sem acesso a água potável, saneamento e eletricidade, além de viverem em habitações precárias. Envolverde/IPS