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Dilema ético assedia os pacifistas em Israel

Cartaz em Jerusalém onde se lê “Fortes juntos, amamos Israel e confiamos no exército”. Foto: Pierre Klochendler/IPS
Cartaz em Jerusalém onde se lê “Fortes juntos, amamos Israel e confiamos no exército”. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Jerusalém, Israel, 11/8/2014 – “Fortes juntos, amamos Israel e confiamos no exército”, pode-se ler em um dos numerosos cartazes com frases semelhantes e enfeitados com as cores nacionais israelenses que se destacam nas cidades e estradas de todo o país, enquanto no dia 8 fracassava uma trégua provisória em Gaza. O apelo ao patriotismo e à solidariedade não discutidas representa um abraço de urso para aqueles que questionam os méritos e a moralidade da última investida de Israel contra Gaza.

É difícil assinar o credo da paz quando o soar das sirenes e o som ensurdecedor produzido pelos mísseis defensivos da Cúpula de Ferro ao atingir os foguetes inimigos exacerbam as emoções nacionalistas e quando o julgamento racional se mobiliza no interesse da guerra e sufoca toda avaliação razoável de suas repercussões.

Que a guerra é a antítese da paz é uma redundância. Diante do desafio do conflito, os pacifistas israelenses lutam com o dilema. Quando se inicia uma guerra, esta deve ser ganha. Mas esta não conduz à vitória nem à derrota, não acabará com todas as guerras, mas se luta para evitar o próximo conflito por meio da dissuasão, talvez. Na guerra só há perdas e perdedores, acreditam os pacifistas. Se a guerra não resolve o conflito, porque contém as sementes da próxima rodada de violência, a paz o fará, afirmam. Mas, quando os canhões rugem, a paz silencia.

No dia 29 de julho, o Fórum de ONGs pela Paz pediu o cessar-fogo do enfrentamento judeu-palestino e o reinício das negociações por uma solução de dois Estados, destacando que não há uma saída militar para o conflito iniciado no dia 8 de julho. A plataforma agrupa organizações judias e palestinas da sociedade civil que buscam a paz dentro de uma solução de dois Estados para o conflito.

Seus integrantes, como a coalizão de mulheres Bat Shalom e o Movimento de Combatentes pela Paz, participam da criação de redes e de capacitação e em manifestações conjuntas. A declaração tardia gerada pela ala israelense do Fórum expôs o dilema. “Os israelenses se reservam o direito de legítima defesa e merecem viver em segurança e paz, sem a ameaça dos disparos de foguetes e de túneis inimigos em seu seio”.

E assim, em seu apogeu, se justificava a guerra, que goza de níveis de aprovação perto do consenso entre os israelenses judeus. Os meios sociais transbordavam com comentários racistas, “matem os árabes”, e intimidantes, “matem os esquerdistas”. Em 25 de julho, cinco mil israelenses participaram de uma manifestação organizada por entidades pela paz. O emblemático movimento Paz Agora esteve ausente, bem como o partido progressista Meretz. A reunião se dispersou quando foram disparados foguetes sobre Tel Aviv.

Os israelenses de esquerda respondem que essa afirmação é intrinsecamente arrogante. “Como é possível que não se identifiquem com nossa dor nacional quando estamos sob ameaça?”, é uma acusação que os direitistas costumam lançar sobre os pacifistas israelenses. Em sua grande maioria, o público israelense fica no centro e à direita do espectro político, denuncia que o país é vítima da “vitimologia”, ou seja, da cobertura centrada nas vítimas do conflito.

Os pacifistas consideram que o respeito aos “direitos humanos é nossa última linha de defesa”, como disse o diretor da Anistia Internacional em Israel, Yonatan Gher, no jornal progressista Haaretz, no dia 6. Os pacifistas se opõem à reação desproporiconal das forças armadas. Israel deve compreender a debilidade inerente em seu próprio poderio militar, afirmam.

A suposição geral é que os ativistas pela paz costumam ceder à “mãe de todas as redundâncias”, que “a guerra é o inferno” e o “mal” e, em essência, um crime de guerra. Todo exame de consciência que indique que este conflito não é justo é visto com ressentimento e como uma vacilação e uma autoflagelação indesejada. Os pacifistas afirmam que as políticas de Israel nos territórios palestinos ocupados são a fonte do mal.

A maioria dos israelenses argumenta que a ocupação, que já dura 47 anos, reduz sua complexa situação a um simplismo, porque aquela não justifica o ódio do movimento islâmico palestino Hamas nem o ciclo repetitivo da violência. A ocupação continua porque a paz é inalcançável, destacam. Nesse eterno debate os israelenses patinam há 14 anos.

Assim, passaram por uma onda de conflitos: a intifada, ou sublevação palestina, de 2000-2005; a guerra de 2006 contra o Hezbolá no Líbano; as ofensivas contra o Hamas em Gaza em 2006 (Chuva de Verão), 2008-2009 (Chumbo Derretido), em 2012 (Pilar Defensivo), e a atual.

No período que levou aos Acordos de Oslo (1993), o processo de reconciliação mútua envolveu israelenses e palestinos em uma tentativa de reconhecimento da dor do outro. Entretanto, com os enfrentamentos posteriores, os dois lados retrocederam à dimensão mais existencial e elementar do conflito. Na adversidade, ambos têm necessidade de excluir toda identificação com a dor alheia e também de infligir dor ao outro.

Mas o que unifica a esmagadora maioria de partidários da guerra e das fileiras de pacifistas é o reconhecimento de que a realidade é complexa. O comum dos israelenses se dá conta de que o argumento de que não se pode avaliar a situação exclusivamente com o número de mortes em Gaza é uma causa perdida. Os pacifistas entendem que a ameaça desencadeada pela campanha israelense é tangível, bem como o rumo que poderia tomar o resultado, suas consequências para israelenses, palestinos e a paz entre os dois povos.

Agora que os anos de hostilidade afetaram seu ideal de coexistência, os pacifistas rechaçam a ênfase dada ao sofrimento se só servir ao batido conceito de que, por um lado, na guerra, o fim justifica (quase) todos os meios, ou, por outro lado, que a guerra não pode se justificar. Traçam finas linhas entre o exercício do direito legítimo de defesa contra a agressão e do uso cada vez maior da força, e entre a moralidade e as leis da guerra e as injustiças da ocupação.

Depositam a esperança em que seus líderes nacionais iniciem com urgência uma audaz ação diplomática de paz com os palestinos e que não deixem passar tanto tempo, como ocorreu com a guerra anterior, que permita que a mesma e recorrente realidade estale novamente nos rostos dos dois povos. Envolverde/IPS