Buenos Aires, Argentina, 16/9/2013 – Com o objetivo de manter o superávit comercial, a Argentina persiste em um controle comedido de suas compras externas, o que, embora seja virtuoso para a indústria nacional, é questionado por importadores, sócios do Mercosul e pelos países ricos. “O que ocorre hoje na Argentina é uma guerra para proteger o trabalho, daí a necessidade de administrar o comércio”, explicou à IPS o empresário têxtil Marco Meloni, por telefone, da Itália, para onde viajou a fim de vender suas camisas Premium.
“Não é que não importamos, pelo contrário. Somos muito melhores clientes para o mundo do que há dez anos. Mas é preciso ter cuidado com a superprodução mundial da Ásia”, alertou o empresário, se referindo aos excedentes gerados pela persistente crise da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos. Ao sair para o exterior vendendo seus produtos, encontra camisas feitas na Ásia a preço muito baixo. “Minhas camisas são competitivas nos Estados Unidos, Canadá, México, Brasil, Portugal e Espanha”, afirmou Meloni.
Entretanto, em muitos desses países não compete com a indústria local, mas com a permeabilidade de suas fronteiras diante de mercadorias da China ou de Bangladesh. “A camisa feita com trabalho escravo custa menos da metade”, denunciou o empresário. Meloni, presidente da Fundação Pro Tejer, acrescentou que o salário de um operário têxtil na Argentina equivale a cerca de US$ 1.400 mensais, e com os encargos correspondentes custam para a empresa US$ 1.800. Em outros países pode ser 40 vezes menor, assegurou.
A falta de acesso ao financiamento internacional e a perda de reservas monetárias levaram o governo centro-esquerdista de Cristina Fernández a adotar medidas para manter uma balança comercial favorável. As reservas argentinas caíram de US$ 52,654 bilhões, no dia 26 de janeiro de 2011, quando atingiu a maior quantia na história do país, para pouco mais de US$ 36 bilhões atualmente, segundo o Banco Central. Néstor Kirchner, marido e antecessor de Cristina Fernández, falecido em 2010, iniciou seu mandato em maio de 2003 com menos de US$ 12 bilhões.
Até agora, Fernández conseguiu o equilíbrio comercial restringindo as compras externas e a venda de divisas. O superávit comercial da Argentina alcançou os US$ 5 bilhões no primeiro semestre deste ano, segundo a Câmara Argentina de Comércio. Mas alerta-se que esse resultado positivo é 26% menor do que o de igual período em 2012. Para alguns importadores, a alternativa que as autoridades aceitam é compensar compras com vendas externas. Assim, cresceram os acordos entre produtores para, por exemplo, exportar vinhos em troca de importar peças para motocicletas.
A luta para manter o equilíbrio entre exportações e importações na Argentina provoca protestos na UE, cujo órgão executivo divulgou, no dia 2, um informe que coloca este país em primeiro lugar entre as economias emergentes que aplicam mais medidas protecionistas. Também motiva queixas dos Estados Unidos e de sócios no Mercosul, especialmente Uruguai e Brasil.
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, em seu último Panorama da Inserção Internacional, também assinala que a Argentina atravessa “seu período mais ativo em termos de litígios” comerciais com Estados Unidos, UE e Japão. Entretanto, Buenos Aires responde com denúncias similares a respeito de barreiras para a venda de carne e limão para os Estados Unidos e travas às suas exportações de biodiesel para a União Europeia.
A Argentina aumentou fortemente suas exportações na última década, bem como as importações apesar das regulações. Em 2003, se comprava com US$ 13,85 bilhões e em 2012 esse setor havia crescido para US$ 68,507 bilhões. Mas a política de administração do comércio causa mal-estar externo e interno. Para os importadores, é complicado e arbitrário depender de declarações juradas antecipadas de suas compras, que podem ser aprovadas ou não pelo Estado.
“Sem acesso ao crédito externo e sem um fluxo importante de investimentos estrangeiros, a Argentina requer um forte superávit comercial e isso se traduz em um rígido controle de importações”, explicou à IPS o economista Maurício Claveri, coordenador de comércio exterior da consultoria Abeceb. Até há algum tempo, a administração do comércio apontava para setores sensíveis, a fim de conseguir a reindustrialização, mas agora essa política tem um “duplo papel”, afirmou.
Por um lado, proteger certas indústrias, mas, sobretudo, regular importações. Este país deve pagar dívidas em dólares e está proibido de se endividar em bônus pela suspensão de pagamentos que decretou no final de 2001. As regulações servem a empresas que produzem para o mercado interno, mas não atraem investidores de multinacionais, que temem não poder importar insumos, pontuou Claveri. Esta política, que o próprio Ministério do Comércio considera transitória pelos compromissos junto à Organização Mundial do Comércio, gera incerteza.
“Se pensa muito antes de aumentar a escala produtiva”, alertou Claveri. Porém, também beneficia provisoriamente setores que ficam a salvo dos saldos exportáveis do exterior, como as indústrias de brinquedos, calçados, têxteis, máquinas e ferramentas, acrescentou. Meloni admitiu dificuldades para comprar máquinas no exterior e que os exportadores estão obrigados a compensar essas aquisições com vendas externas. Contudo, destacou que sua empresa têxtil tinha 30 empregados em 2002 e agora tem 120. Meloni explicou à IPS que, graças à administração do comércio, a indústria têxtil argentina multiplicou por quatro suas compras no exterior nos últimos dez anos.
Outro setor que cresceu nestas condições é o das motocicletas. Em 2002, eram vendidas na Argentina cerca de 30 mil unidades, muitas delas importadas, e este ano se prevê que as vendas chegarão a 800 mil, e todas fabricadas no país. “São montadas na Argentina, embora tenham apenas 30% de peças nacionais”, disse à IPS o diretor-executivo da Câmara Industrial da Moto, Daniel Tigani, que também defende as proteções.
Tigani assegurou que os empresários se reúnem a cada três meses com autoridades do Ministério do Comércio para estabelecer o que será importado, e também intervêm nessa decisão outros organismos do Estado que exercem controle para evitar uma disparada dos preços internos. “A importação não gera emprego, enquanto a produção local gera. E isso não significa que não se importe, porque o componente principal das motocicletas é comprado no exterior. Em 2012, foram vendidas mais de 650 mil e este ano o crescimento será de 20%”, destacou.
Tigani acrescentou que, em 2003, quase não havia indústria local de bicicletas. Então foram adotadas normas de segurança técnica similares às aplicadas em países desenvolvidos, que não podem ser apontadas como travas comerciais. “Isso foi a ressurreição. Hoje se vende um milhão de bicicletas e apenas 2% são importadas”, ressaltou. Foram criados três mil empregos diretos no setor das bicicletas, e, se for incluído o mercado de reposição, os benefícios chegam a cerca de 15 mil famílias, todos pequenos empresários, enfatizou. Envolverde/IPS