Rio de Janeiro, Brasil, 15/8/2011 – Desde que assumiu a Presidência do Brasil, em janeiro, Dilma Rousseff fez uma média de quase um mudança de gabinete por mês, em uma demonstração de poder que, entretanto, pode feri-la no calcanhar de Aquiles dos governos democráticos deste país: os acordos com forças aliadas no parlamento. Começou com a renúncia do poderoso chefe de gabinete Antonio Palocci, do Partido dos Trabalhadores (PT), como Dilma, depois que a imprensa denunciou o aumento milionário de seu patrimônio quando era deputado.
Depois vieram mudanças para fortalecer a Secretaria de Relações Institucionais – responsável por manter unidos e negociar com os aliados no Congresso –, e a recolocação de outros dois ministros para cobrir esse cargo e o que Palocci ocupava. À ofensiva não sobreviveu nem o ministro da Defesa, Nelson Jobim, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o mais importante aliado do governo do PT. Jobim, um ministro que Dilma herdou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), protagonizou várias insubordinações públicas, como confessar que votou na oposição nas últimas eleições.
Na opinião do especialista político Mauricio Santoro, da Fundação Getúlio Vargas, Dilma “herdou um gabinete semelhante ao de Lula, que tinha um estilo diferente de fazer política e que não necessariamente funcionaria com ela”. Por isso, “nos últimos meses fez uma reacomodação da casa, mudando os móveis de lugar”, disse o analista, para quem não se trata de uma crise nem de um fortalecimento institucional. A dúvida de Santoro, compartilhada pelo analista político Alexandre Barros, da Early Warning Consultoria, começa com outras mudanças em Ministérios vinculados diretamente a partidos aliados, sem os quais no Brasil seria difícil governar.
A coalizão que levou Dilma ao poder está integrada por 15 partidos que a apoiam no Congresso. Embora o PT seja maioria no Senado e na Câmara Federal, necessita de alianças, negociações e trocas, às vezes não muito claras, para aprovar projetos legislativos. As nomeações nos Ministérios fazem parte desses acordos que podem ser cruciais. Justamente três Ministérios “cedidos” a aliados do governo agora estão no olho da tempestade.
O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, do Partido da República (PR), e outros 20 funcionários tiveram de renunciar por denúncias de corrupção nessa pasta encarregada de importantes projetos de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das políticas-estrela do governo. E, na semana passada, uma ostensiva operação policial prendeu o secretário-executivo do Ministério do Turismo, Frederico Silva da Costa, e outras 38 pessoas, também ligadas ao PMDB, acusadas de um esquema de desvio de dinheiro.
Na frágil vitrine de alianças e intercâmbios de favores, no Ministério da Agricultura, também controlado pelo PMDB, já renunciou o secretário-executivo, Milton Ortolan, também sob suspeitas de corrupção. “Parece que a presidente deu a mensagem de que isso poderia ocorrer em outros Ministérios”, disse o analista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Avivado o vespeiro, os aliados já começaram a responder. O que “está à prova” para eles é “até onde a presidente está disposta a ir” no combate à corrupção, disse à IPS Barros. “O PMDB já paralisou no Congresso e disse que não votará nada mais”, alertou o analista, ao se referir a uma prática política considerada “normal” em “qualquer sistema multipartidário”, e que no caso do Brasil pode ameaçar a governabilidade.
Como destacou Ismael, no segundo semestre do ano haverá no Congresso pelo menos três projetos para os quais Dilma precisa de apoio. Trata-se de emendas constitucionais que aumentariam os gastos do governo, o que a presidente quer evitar, especialmente em tempo de instabilidade econômica mundial. Embora nenhum dos analistas considere que Dilma esteja atravessando uma crise institucional, alertam que esta poderá ocorrer se a presidente for mais além na intervenção de outros Ministérios da base aliada.
“Se a presidente continuar levando adiante o que fez no Ministério dos Transportes, terá um custo político muito grande porque, ainda que vença diante da opinião pública, perderá aliados”, disse Ismael. O PMDB foi “o fiel da balança” durante o governo de Lula, e esta lógica até agora não mudou, recordou. Se o combate à corrupção avançar além dos Transportes e afetar em maior medida o PMDB, “aí sim começaria a ter problemas” de coordenação política, acrescentou Barros.
Essa hipótese parece distante, insistem ambos. Os indícios foram vistos na maneira como Dilma encarou os novos escândalos. No caso do Ministério do Turismo, mostrou distância da operação da Polícia Federal e até criticou o que lhe pareceu um exagero: os detidos serem algemados. É que, segundo Santoro, o governo de Dilma enfrenta o combate à corrupção “dentro de certos limites, e o verdadeiro teste para comprovar se a campanha anticorrupção é válida será se chegar aos Ministérios ocupados pelo PMDB”, ressaltou.
Para sustentar essa cruzada, segundo Ismael, Dilma precisaria de um grande apoio da população que, segundo a última pesquisa do Ibope, estaria perdendo. Segundo a pesquisa, realizada depois da crise no Ministério dos Transportes, embora sua popularidade continue alta, caiu de 56% em março para 48% em julho. No entanto, a redução, segundo Barros e Ismael, deve ser atribuída a outros motivos, além da visibilidade da corrupção: a percepção de que Dilma não está tão presente na mídia – marcando um estilo diferente do de Lula – e a menor euforia pelo crescimento econômico. Envolverde/IPS