Dines dá show de lucidez aos 80
A necessidade da regulamentação da Comunicação no Brasil, assim como a baixa qualidade da imprensa hoje foram alguns dos assuntos abordados pelo jornalista Alberto Dines, no Roda Viva de 19 de março, da TV Cultura.
A necessidade da regulamentação da Comunicação no Brasil, assim como a baixa qualidade da imprensa hoje foram alguns dos assuntos abordados pelo jornalista Alberto Dines, no Roda Viva de 19 de março, da TV Cultura. O ex-editor chefe do Jornal do Brasil e articulista do Observatório da Imprensa foi contundente, deu um show de conhecimento, memória e perspicácia, e comentou coisas que muitos pensam, mas poucos têm coragem de colocar para fora.
Revelou que nos seus mais de 60 anos de jornalismo sofreu muito mais censura da iniciativa privada do que nos tempos da ditadura. Falou de suas demissões e comentou o quão absurda achou a decisão do Supremo Tribunal Federal, comandado por Gilmar Mendes, der derrubar a obrigatoriedade do diploma para jornalista e o fim da lei de imprensa.
E quando o assunto foi sobre a qualidade da imprensa, falou da necessidade de se ter uma programação mais voltada aos interesses da sociedade, do debate das estratégias de igrejas e de políticos, que ganharam concessões para perpetuação do poder ou simplesmente por atender o que vende para seus públicos.
Para ele, falta empenho da grande mídia para uma boa cobertura. Dines assumiu que o único telejornal que assiste é o da BBC, mas que também gosta do Jornal das 10, da Globo News, e que adora a revista Piauí. Comentou como o mercado deturpa ideias originais, como a da própria revista Caros Amigos. Ele contou ter sido o autor do título da revista, mas que assim como ele, os pais da empreitada acabaram tirando o time de campo, porque a linha editorial acabou seguindo mais as regras do mercado do que a essência pensada para o impresso.
Dines mostrou-se um inconformado e salientou diversas vezes que o Brasil é muito Fla-Flu, quer dizer, que falta um processo de entendimento, de debate para se mostrar vários lados, sem ser branco ou preto, ou Grenal, tão sentido principalmente nas nossas bandas aqui do Rio Grande do Sul. Ele inclusive acha que os novos jornalistas não teriam condições de fazer essa mediação, que precisaria de velhinhos, como ele, para se promover esse cenário onde não se deve demonizar ninguém, mas sim ouvir todas as partes possíveis.
A entrevista de Dines soou como música para meus ouvidos. Com ânimo de um menino, disse que o Brasil precisa e quer ter uma imprensa inteligente. Ele tem esperança de que as páginas dos jornais deem mais espaço para a contextualização e o que está por trás das notícias. Muito do que sai em jornais, como o El País, segundo ele, sairá por aqui só depois de fatos consumados.
Como jornalista inquieta, vejo o quanto somos vítimas de uma certa zona de transição/conformismo combatido pelo Dines. Saí da faculdade batendo em máquina de escrever e consultando o dicionário. Hoje não vivo sem um note (nem falo em tablets) ou o Google. Reféns de pensamentos que exigem ações pela sobrevivência, de acordo com as nossas “formas-pensamento”, isto é, aquilo que já foi predestinado pela nossa cabeça, não conseguimos hoje nem encontrar com os amigos jornalistas para a simplesmente troca de ideias sobre o que saiu ou deixou de sair.
A autocensura, a aceitação de que simplesmente não se tem o que fazer, que as coisas são assim ou assado e pronto, além de ser uma derrota antes do fim do jogo, é um exemplo básico de como precisamos dar voz a outros Dineses que andam por aí. Temos muito a aprender com quem escreveu a história e constatar que somos responsáveis pela nossa. O pior mesmo está dentro de nós mesmos.
* Publicado originalmente no site Mercado Ético.




