Não sou especialista em questões energéticas, mas sei perceber quando algo grande está se armando. E por isso estranho a aparente ausência de pessoas e organizações dedicadas à sustentabilidade e à justiça socioambiental no debate sobre as concessões de muitas das hidrelétricas existentes, que expiram a partir de 2015.
Em termos simples, o caso é o seguinte: uma fatia muito grande das tarifas cobradas pela energia elétrica destina-se a pagar os investimentos feitos na construção das usinas geradoras. Esta amortização é dividida ao longo de várias décadas, e regulada por contratos e leis entre governo brasileiro, investidores e as empresas que recebem a concessão para operar as usinas, vendendo a energia produzida.
E o que acontece quando, finalmente, o investimento inicial está totalmente amortizado? Há duas possibilidades básicas: (a) eliminar esse item da tarifa cobrada, baixando o preço da energia elétrica, ou (b) manter a tarifa como está, gerando um excedente de arrecadação nas empresas operadoras, correspondente ao dinheiro que antes era destinado à amortização. Naturalmente, combinações entre uma e outra dessas opções são também possíveis. Mas, de quanto dinheiro estamos falando?
Em matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo (16/7/2011, p.B7), o repórter Renée Pereira, citando Paulo Skaf, presidente da Fiesp, fala em R$ 900 BILHÕES ao longo dos próximos 30 anos! Segundo ele, este seria o valor acumulado da redução tarifária caso a opção fosse usar a oportunidade para baixar o preço da eletricidade. Artigo no mesmo jornal (“A ficha caiu”, de 26/6/2011) fala em redução de até 80% no preço da energia, e alerta para o imbróglio jurídico/econômico/político envolvido no assunto: como essa decisão será tomada? Quando? Por quem?
Essas são perguntas gerais, que já mobilizam os enormes interesses atentos à partilha dessa grande bolada. São perguntas que nós – pessoas comprometidas com a busca de um novo modelo de sociedade, mais justo e sustentável – também devemos nos fazer, mas precedidas de algumas outras: haveria mesmo vantagem em reduzir o preço da energia elétrica? Quem se beneficiaria disso? Preço mais baixo não seria um incentivo ao maior consumo e desperdício? Não seria o caso de manter os preços em vigor e usar a arrecadação excedente para investir em prioridades socioambientais?
Com tal volume de recursos, imaginem o quanto se poderia fazer pelas novas fontes de energia limpa, pela melhoria de eficiência do sistema atual, pela geração descentralizada, pela educação para o consumo… Isto sem prejuízo dos subsídios ou “tarifas sociais” para quem de fato precisa de eletricidade e não pode pagar por ela.
Essa disputa já começou, e a turma da sustentabilidade e da justiça socioambiental parece estar dormindo… No jornal do dia 16/7, já mencionado (p.B1), artigo do presidente do Instituto Acende Brasil avisa que, nos dias 22 e 23 de agosto, ocorrerá em São Paulo um importante congresso sobre esse tema (www.brazilenergyfrontiers.com). As matérias que citei, e outras facilmente localizáveis, mencionam visões e atores importantes e dão conta de que já existem no governo projetos sobre o assunto, com vários caminhos. Lembram também que o Plano Plurianual 2012-2015 terá efeitos sobre isso, e será votado agora, no 2º semestre de 2011.
Então, colegas: estamos ligados na eletricidade? Ou vamos perder o bonde da História?
*Aron Belink é consultor em sustentabilidade, responsabilidade social e consumo sustentável, coordenador de Processos Internacionais do Instituto Vitae Civilis e colaborador de diversas outras organizações nessas áreas ([email protected]).