Alardeada como a primeira “escola gay” do Brasil, a Escola Jovem LGBT quase passa despercebida no pacato bairro residencial em que está instalada, na cidade de Campinas (SP). A despeito do título adotado, não se trata de uma escola regular, dirigida para o ensino de matemática, história ou língua portuguesa. Dentro da casa de seis cômodos, cerca de 30 jovens LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) participam gratuitamente de aulas de música, teatro e de produção de revistas, todas voltadas para o universo gay. A ideia nasceu há dez anos, a partir de e-mails trocados pelo fundador, o jornalista Deco Ribeiro, com outros jovens que passavam pelas mesmas angústias que ele. Hoje com 39 anos, Deco conta que se descobriu homossexual no início da adolescência, aos 13. “Eu achava que era o único gay da minha escola, da minha rua, da minha cidade. Com a internet, descobri que muitos passavam pelo mesmo que eu”, lembra. Com o sucesso da lista de e-mails, que chegou a reunir quatro mil participantes, Deco criou um site para agregar as principais dúvidas e questionamentos dos jovens. Foi quando nasceu o E-Jovem, transformado em 2004 em uma ONG para combater a homofobia.
Em 2009, o projeto de Deco para uma escola de artes voltada para jovens LGBT venceu um edital do Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura. Único dos 350 candidatos a propor a criação de um centro cultural voltado para a diversidade sexual e de gênero, o projeto passou a ser um dos Pontos de Cultura do Estado e a receber uma verba de R$ 60 mil por ano. Com o dinheiro, Deco transformou a casa em que vivia com o companheiro Chesller Moreira (a drag queen Lohren Beauty) em escola. O espaço ainda parece improvisado. O pequeno pátio recebeu carteiras e espelhos nas paredes pintadas de rosa e branco, um banner e a clássica bandeira arco-íris do movimento são os únicos sinais de militância LGBT. Na outra sala, três computadores e um monitor formam a sala de informática. As oficinas oferecidas também funcionam como espaço de convivência. “Aqui todo mundo pode ser como realmente é”, afirma Deco. A verba do Ministério também paga o salário de três professores e fornece ajuda de custo para seis bolsistas. Como as aulas são gratuitas, a quantia de R$ 100 serve principalmente para transporte. Além de jovens de Campinas, há alunos de cidades próximas, como Valinhos e Monte Mor.
Apesar do foco no mundo gay, héteros também são bem-vindos na escola. Atualmente, duas meninas heterossexuais participam das oficinas de revista. “Não é um curso fechado para gays. Acreditamos que, quanto mais você conhecer o diferente, mais rica será sua experiência”, explica Deco. Nem todos, porém, compartilham do mesmo ponto de vista. Em novembro do ano passado, a escola foi atingida por pedras e garrafas. A suspeita é que o ataque tenha partido de moradores da região. A direção da escola colocou a boca no trombone: depois dos avisos na mídia local de que câmeras de segurança seriam colocadas na entrada, não houve mais ataques.
Todos os fins de semana, jovens gays, bissexuais e travestis entre 14 e 24 anos organizam-se nas três turmas de dez alunos da escola. O clima é de descontração. Muitos estão fora da escola tradicional. É o caso de Gabriel. Aos 15 anos, não aceito pela família biológica, o garoto relata diversas fugas de abrigos da prefeitura, onde era, muitas vezes, hostilizado pelos outros adolescentes. Encontrado à beira de situação de risco pelo fundador da escola, Gabriel vive com o casal no espaço da escola desde o ano passado. “Eu sou aluno integral”, brinca. A travesti Juana, de 21 anos, é exceção. Ela está no segundo ano do ensino médio de uma escola estadual da cidade e conta que conquistou o respeito de colegas e professores. “A vice-diretora até foi assistir minha apresentação de dança”, comemora. Juana também luta pela erradicação da homofobia nas escolas: “Todo travesti tem o direito de estudar”. A sensação de estar entre semelhantes faz toda a diferença para o jovem Willber, 18 anos. Um pouco mais tímido, o rapaz conta, com os joelhos balançando de nervosismo, que ficou sabendo da escola por meio dos amigos. “Aqui todo mundo entende como eu sou, eu me identifico com eles”, garante.
Além dos três cursos em vigor hoje (criação de revista, música e teatro), a escola já ofereceu aulas de dança, criação de fanzines e um curso livre de defesa pessoal. Ministrada por um especialista em artes marciais, o curso era focado em como evitar e como escapar de agressões. Até o fim do ano, Deco espera oferecer cursos de Sociologia da Homossexualidade, de Espanhol e de Drag Queen, que será desenvolvido por Lohren Beauty e vai ensinar desde a escolha do figurino e maquiagem até presença de palco.
Antigo participante da lista de e-mails que deu origem ao E-Jovem, Breno Queiroz, de 25 anos, recebe R$ 300 por mês para ministrar uma oficina semanal de criação de revistas. Ano passado, o jornalista já havia participado como professor do curso de produção de fanzines, publicação alternativa que trabalha com linguagem de quadrinhos. “Muitos foram praticamente alfabetizados com o fanzine, outros não sabiam usar o computador”, lembra. As oficinas deram origem a cinco volumes do fanzine No Closet, cuja tiragem de cinco mil exemplares foi distribuída gratuitamente.
Para o diretor da escola, o movimento LGBT passa por um período de transição. O primeiro momento, marcado pela busca da visibilidade e aceitação, já passou. Agora é a hora do discurso, da sociedade saber o que os gays têm a dizer. Por outro lado, o aumento da visibilidade alimentaria reações de setores mais conservadores. Apesar de ter sido o ano da aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo, 2011 encaminha-se para o triste recorde de assassinatos de homossexuais no Brasil.
* Tory Oliveira faz jornalismo na Cásper Líbero e é repórter das revistas Carta na Escola e Carta Fundamental.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.