Belfast, Irlanda do Norte, setembro/2014 – Enquanto Estados Unidos, Grã-Bretanha e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) desafiam militarmente a Rússia, é indispensável que em todo o mundo os povos e seus governos adotem uma clara posição a favor da paz e contra a violência e a guerra, não importa de onde venham.
Estamos em um perigoso momento da história da família humana, que pode causar a maior tragédia para nós e nossos filhos, se permitirmos por inércia que os traficantes da guerra nos empurrem para uma terceira guerra mundial, que significará a morte de muitos milhões de pessoas.
A decisão adotada pela Otan em sua cúpula de Gales, nos dias 4 e 5 de setembro, de criar uma nova força de deslocamento rápido de quatro mil unidades e assentá-la nos países bálticos, é uma grave medida que devemos denunciar, porque, se não a impedirmos, poderá nos conduzir a uma nova guerra mundial.
O que precisamos agora é manter a mente fria e que nos guiem pessoas sábias e contrárias ao armamentismo e à guerra.
A liderança da Otan é a responsável pelos atuais conflitos bélicos na Ucrânia, Iraque, Afeganistão, Líbia e outros países.
Outra medida da Otan compromete seus 28 membros a aumentarem o orçamento militar a não menos de 2% do produto interno bruto e a estabelecer entre três e cinco novas bases militares na Europa oriental.
A decisão dos Estados Unidos e da Otan de criar uma força de deslocamento rápido, com o objetivo de conter uma suposta ameaça russa, me recorda a propaganda bélica de mentiras, meias verdades, insinuações e rumores aos quais nos submeteram para nos preparar para a guerra contra o Iraque, e para as sucessivas guerras do terror conduzidas pelas forças armadas da Otan.
A equipe de observadores da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) afirma que os informes da Otan não são autênticos, incluídas as fotos via satélite que aparentemente mostram forças militares russas em operações no território soberano da Ucrânia.
Enquanto a Otan se empenha em anunciar a contrainvasão de uma inexistente invasão da Rússia na Ucrânia, o povo ucraniano espera que seus líderes ponham fim à guerra e pede pela paz e por negociações entre as partes.
A ponta de lança da força de deslocamento rápido estará formada por unidades especializadas em ações no ar e mar e, segundo um porta-voz da Otan, será treinada para missões não convencionais, como o uso de mídias sociais, intimidação e propaganda negativa.
Não há dúvidas de que a demonização do presidente Vladimir Putin e do povo russo por parte dos meios de comunicação ocidentais, cujo propósito é inculcar o ódio e o medo, faz parte da campanha de propaganda negativa.
A iniciativa da Otan de alistar quatro mil soldados, junto com uma força separada de dez mil expedicionários britânicos, é uma ação totalmente irresponsável dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Otan, que rasga unilateralmente o acordo de 1997, pelo qual a aliança se comprometeu a não colocar forças militares significativas em bases na Europa oriental.
A Otan teria que ter sido desmantelada quando o Pacto de Varsóvia se desintegrou, mas não foi assim e agora é controlada por Washington, que dita sua agenda de serviço segundo seus próprios interesses.
Quando falava da aliança, um assessor do ex-presidente Bill Clinton dizia: “Os Estados Unidos são a Otan”.
Hoje em dia a Otan, em lugar de ser extinta, está reinventando uma razão de ser, para justificar sua existência. Para isso cria novos inimigos – sejam russos, o Estado Islâmico ou outros –, que invoca para militarizar a Europa e empreender uma nova corrida armamentista.
Neste mundo interdependente e interconectado, que aspira a prevalência da fraternidade, da cooperação econômica e da segurança, não há lugar para impor uma nova Guerra Fria e suas ameaças bélicas, junto com políticas de excepcionalidade e superioridade.
O mundo mudou e rechaça a violência, o militarismo e a guerra.
A velha mentalidade é disfuncional e agora predomina a nova mentalidade baseada na ética da não violência, no respeito e na cooperação. É hora de a Otan admitir que suas políticas são contraproducentes. A crise da Ucrânia e o aparecimento de insurgências como o Estado Islâmico não podem ser resolvidas com armas, mas com diálogos e justiça.
O mundo de nossos dias necessita, antes de tudo, recuperar a esperança, que inclui poder confiar em seus líderes. Isso poderia ser alcançado se o presidente norte-americano, Barack Obama, e o presidente Putin se sentassem à mesa de negociações para resolver, por meio do diálogo, direto e de boa fé, a crise da Ucrânia.
Vivemos tempos perigosos e em transformação, mas tudo é possível e, sobretudo, a paz é possível. Envolverde/IPS
* Mairead Maguire recebeu o Prêmio Nobel da paz em 1976 por suas ações para acabar com a violência na Irlanda do Norte. É membro fundadora da Iniciativa de Mulheres Prêmio Nobel.