Mazar-e Sharif, Afeganistão, 5/1/2012 – Soma era uma adolescente comum desta cidade do norte do Afeganistão quando seu avô acertou seu casamento com um homem que ela não conhecia. Criada em um lar sem pai, Soma pensava que o casamento era sua única opção. Foi levada pelo seu sogro para Cabul, onde esperava começar uma nova vida. Ao chegar, conheceu seu marido: um menino de oito anos, e inteirou-se de seu triste destino: teria que se prostituir.
Todas as noites seu sogro organizava festas nas quais, por US$ 200 os homens visitantes podiam comer carne, beber álcool e ver Soma e suas duas cunhadas dançarem. Depois, as jovens eram obrigadas a se deitarem com até quatro homens em uma só noite. Soma disse que regularmente seu sogro lhe tirava sangue para colocar sobre os lençóis como “prova” para seus clientes de que a moça era virgem. Depois de dois anos, um cliente ficou com pena dela e a ajudou a fugir. Ela denunciou o ocorrido na polícia antes de ser enviada ao Ministério de Assuntos das Mulheres.
Entretanto, sua segurança não está garantida. Regressou com seu avô para Mazar-e Sharif, mas o homem que a escravizou em Cabul conseguiu não ser preso. “Se compararmos o tráfico sexual no Afeganistão com o que ocorre em outros países, definitivamente há algumas diferenças”, disse Nigina Mamadjonova, administradora de programas da Organização Internacional para as Migrações, que acompanha casos como o de Soma.
“Por exemplo, as ex-repúblicas soviéticas são as principais nações emissoras de tráfico sexual. Não posso dizer que o fenômeno não ocorra aqui, e, de fato, às vezes acontece, mas é de outra forma. É geralmente interno, e não tão organizado como em outros países. Aqui vemos muitos casamentos forçados e precoces”, explicou Mamadjonova.
“As famílias vendem suas mulheres e estas trabalham como prostitutas. A razão pela qual não vemos muitos casos é pela natureza de nossa cultura. Essas mulheres não têm opções, pois muitas vezes as famílias não as aceitam de volta por vergonha. E não podem se aproximar dos trabalhadores sociais ou de organizações para pedir ajuda porque podem ser assassinadas” por seus próprios familiares, acrescentou Mamadjonova.
As décadas de violência no Afeganistão causaram o deslocamento de milhões de pessoas, pobreza crônica e uma crescente vulnerabilidade das mulheres e meninas e dos meninos, vendidos em casamentos forçados antes de completarem a idade mínimia exigida por lei, de 16 anos, e obrigados a trabalhar ou se prostituir. Uma pesquisa da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão concluiu que mais de 60% do tráfico de mulheres, meninas e meninos neste país é interno. Desse total, 45% são meninas e 38% mulheres.
A exploração trabalhista é a maior motivação para o tráfico interno, seguida da prostituição. Em 2009, foi aprovada a Lei para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que entre outras coisas condena os casamentos forçados. Em julho deste ano adotou-se a Lei para o Combate do Sequestro e do Tráfico Humano. Entretanto, ativistas pelos direitos humanos acusam o governo de incapacidade para implementar as leis de forma eficiente. As mulheres são, em geral, vistas como criminosas pelo sistema judicial e enviadas à prisão.
“Por ser um governo fraco e corrupto, é difícil impedir o tráfico humano, sexual e infantil, e o sistema judicial não está prestando atenção a isto. Diz que é mais um problema familiar do que de justiça”, disse Hamid Safwat, administrador regional do Centro de Cooperação para o Afeganistão em Mazar-e Sharif.
Esta organização acaba de proteger uma menina de 12 anos que foi sequestrada no famoso santuário de Hazra Ali, conhecido popularmente como “a mesquita azul”, e esteve retida por oito meses por homens que ela descreveu como funcionários do governo. Foi violada repetidamente até conseguir fugir e se esconder em um abrigo durante dois anos, pois temia ser assassinada por envergonhar a família. Agora está casada e tem um filho, e teria restabelecido relações com seus pais.
O Centro de Apoio às Mulheres e à Juventude reúne nomes de policiais e de supostas prostitutas e oferece ajuda e assessoria por telefone. “Alguns dos maridos as obrigam a ganhar dinheiro se prostituindo”, disse a diretora do Centro, Nilofar Sayar, explicando que a pobreza é o principal fator do problema e que muitas se prostituem para alimentar os filhos. “Fizemos um estudo sobre seus contextos e vimos que, em geral, o pai e a mãe estavam divorciados ou um havia morrido”, contou Sayar.
Ela recordou o caso de uma adolescente. “Seu marido a obrigava a praticar sexo ilegal quando se casou aos 15 ou 16 anos. O marido levava desconhecidos para casa e ela era obrigada a se deitar com eles”, contou. “Então, acabou colocando fogo em si mesma aos 18 anos para evitar isso. Agora, aos 25, tem o rosto, as mãos e o pescoço queimados. Ainda vive com seu marido porque tem quatro filhos”, disse Sayar. Envolverde/IPS