Arquivo

Do limbo, Snowden desafia a Casa Branca

Edward Snowden, entrevistado em Hong Kong. Foto: The Guardian/Glenn Greenwald e Laura Poitras
Edward Snowden, entrevistado em Hong Kong. Foto: The Guardian/Glenn Greenwald e Laura Poitras

Washington, Estados Unidos, 4/7/2013 – Na última hora do dia 1º, a ativista do Wikileaks, Sarah Harrison, entregou em mãos 21 cartas a Kim Shevchenko, oficial de guarda do consulado russo no aeroporto moscovita de Sheremetyevo, a favor de Edward Snowden, que denunciou a Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos. As cartas eram pedidos de asilo dirigidos a embaixadas de 21 países: Alemanha, Áustria, Bolívia, Brasil, China, Cuba, Equador, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Índia, Irlanda, Islândia, Itália, Nicarágua, Noruega, Polônia, Rússia, Suíça e Venezuela.

“Embora não esteja condenado por nenhum crime, o governo dos Estados Unidos revogou meu passaporte de modo unilateral, deixando-me em situação de apátrida”, declarou Snowden em um comunicado divulgado em seu site do Wikileaks. “Sem ordem judicial, o governo tenta impedir-me de exercer um direito fundamental. Um direito que pertence a todos. O direito a solicitar asilo”, acrescentou.

Washington não esconde sua raiva por Snowden ter publicado dezenas de documentos ultrassecretos, que provam que o governo dos Estados Unidos intervém nas comunicações mundiais via internet e de sistemas telefônicos em grande escala. Pelo menos um bilhão de documentos foram interceptados em um esquema cujo nome de código é ShellTrumpet. Outro projeto secreto, o Prism, permite à NSA coletar informação de qualquer cidadão alojada em servidores de empresas como Google e Facebook.

Snowden coordenou a divulgação dos documentos a partir de um hotel em Hong Kong, no final de maio, trabalhando com dois repórteres norte-americanos, Glenn Greenwald e Laura Poitras, e com o jornal britânico The Guardian. A revista alemã Der Spiegel e o jornal Washington Post, dos Estados Unidos, também receberam materiais a respeito. Por essas revelações, o ex-funcionário da Agência Central de Inteligência (CIA) agora é um homem procurado.

O governo de seu país o acusou de espionagem, segundo uma ordem judicial do dia 14 de junho com a assinatura do juiz John Anderson, e cancelou seu passaporte. Quando soube que as autoridades chinesas permitiriam sua saída sem problemas, Snowden voou de Hong Kong para Moscou, no dia 23 de junho, com a assistência legal de Harrison, que chegou com um salvo-conduto emitido pelo funcionário consular equatoriano destacado em Londres, Fidel Narváez. Snowden e Harrison estão perdidos em Moscou, porque o Equador cancelou o salvo-conduto.

As solicitações de asilo refletem a frágil situação de Snowden, pois o governo de seu país se colocou ao telefone para pedir aos seus colegas de todo o mundo que o impeçam de fugir. A Rússia disse que não o deportará, mas também não dará asilo, a menos que Snowden aceite parar de vazar documentos. “A Rússia jamais entrega alguém e não pretende fazê-lo agora. Se ele quiser ir a algum lugar e alguém o receber, não haverá problemas”, disse o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em entrevista coletiva em Moscou. “Se quiser ficar aqui, há uma condição: deve parar com sua atividade destinada a prejudicar nossos sócios norte-americanos”, acrescentou.

O presidente do Equador, Rafael Correa, também se afastou de Snowden após receber um telefonema do vice-presidente norte-americano, Joe Biden. Agora, Correa argumenta que Narváez cometeu um erro ao entregar o salvo-conduto. “O cônsul, em seu desespero, assinou o salvo-conduto sem validade, sem autorização e sem que nós soubéssemos. Foi um erro de nossa parte”, disse o presidente.

A maior esperança de Snowden agora é a Venezuela, que expressou interesse por seu caso. “Se este jovem for castigado, ninguém no mundo se atreverá a dizer a verdade”, afirmou o presidente desse país, Nicolás Maduro, em visita à Rússia. Contudo, evitou a pergunta sobre lhe conceder asilo.

Snowden permanece no limbo. Mas não chegou a essa situação extraordinária sem certa reflexão. Esse jovem de 30 anos, um programador de informática que não cursou universidade, trabalhava para a CIA em Genebra quando tomou consciência da enorme rede de espionagem de telecomunicações da NSA, e decidiu fazer algo a respeito. Há vários meses, Snowden solicitou um emprego de “analista em infraestrutura” à empresa de inteligência Booz Allen Hamilton, com sede na Virgínia, a fim de obter documentos que provassem as atividades realizadas pela NSA.

Foi contratado em março com salário anual de US$ 122 mil e o enviaram para uma estação da NSA no Havaí, onde permaneceu até o final de maio, quando voou para Hong Kong. “Meu cargo na Booz Allen Hamilton me deu acesso a listas de máquinas de todo o mundo que a NSA havia ‘hackeado’”, contou Snowden ao jornal South China Morning Post. E mais: encontrou provas de que a NSA armazenava há cinco anos enormes quantidades de dados, fazendo uso de uma interpretação secreta das leis.

Armado com esses documentos, partiu para Hong Kong em 20 de maio, após dizer ao seu chefe que deveria se ausentar para receber um tratamento para sua epilepsia. Agora, enfrenta um futuro incerto. No entanto, se manifesta “inquebrantável” em suas convicções e acreditando nos que o apoiam para batalhar contra a NSA e a Casa Branca.

“A administração de Barack Obama não teme informantes como eu, Bradley Manning ou Thomas Drake. Estamos em condição de apátridas, presos ou impotentes”, afirmou em um comunicado, no dia 1º. “Não, o governo Obama teme vocês. Tem medo de um público informado e furioso que cobre o governo institucional que lhe foi prometido, e que deveria ter”, ressaltou. Envolverde/IPS