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Doadores ajudarão o Sul a negociar contratos com transnacionais

Washington, Estados Unidos, 13/6/2014 – Os países do Sul em desenvolvimento contarão com uma iniciativa destinada a fortalecer sua capacidade de negociar complexos tratados com poderosas empresas transnacionais, em particular as do ramo de extração de recursos naturais, como petróleo e gás.

A iniciativa, denominada Fortalecimento da Assistência para a Negociação de Contratos Complexos (Connex), foi anunciada na cúpula de Bruxelas do Grupo dos Sete (G-7) países ricos – integrado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão –, realizada nos dias 4 e 5 deste mês.

Representantes do Sul expressaram sua crescente frustração por não poderem equiparar o poder de negociação das multinacionais, algo que resulta em tratados desiguais, argumentam. Por isso, a Connex “dará aos países em desenvolvimento uma experiência extensa e concreta para a negociação de contratos comerciais complexos, centrando-se inicialmente no setor de extração”, diz o comunicado da cúpula, divulgado no dia 5.

A iniciativa vai coordenar um aumento recente de medidas que os países doadores tomaram a respeito, e incluirá “como primeiro passo uma central de recursos que reúne informação e orientação”, acrescenta o comunicado.

Uma folha informativa divulgada pelo governo dos Estados Unidos diz que a iniciativa responde a “solicitações diretas” realizadas em 2013 pela União Africana e demais países em desenvolvimento, em particular com relação às dificuldades na negociação com “empresas multinacionais do setor da extração”. Segundo Washington, a Connex terá por meta futura a criação de “equipes de resposta rápida que propiciem assistência aos países em desenvolvimento na negociação dos contratos”.

Entretanto, a Connex ainda não se concretizou e seu processo de formalização começará no dia 17, em Nova York. O projeto está a cargo do Centro Columbia de Investimento Sustentável (CCSI), na Universidade de Columbia, que tem experiência na assistência em negociações e abrigará a infraestrutura digital da iniciativa.

“Os grandes investimentos, nos recursos naturais ou na infraestrutura, são os meios mais importantes de geração de fundos para impulsionar o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável de muitos países em desenvolvimento”, afirmou à IPS Lisa Sachs, diretora do CCSI. “Mas, apesar da importância dos acordos, muitos governos não contam com sólidos marcos regulatórios nem com os recursos necessários para negociar bons acordos”, acrescentou.

Os acordos de investimento no setor da extração de recursos naturais podem ter vigência de décadas, por isso uma negociação ruim terá consequências de longo prazo na capacidade de um país para financiar seu setor público. Isto tem um impacto maior na população mais pobre e marginalizada.

Os acordos ruins “não só impedem que um país aproveite todos os benefícios de longo prazo de seus recursos”, segundo um documento redigido em fevereiro pelo CCSI, como também “ajudam a cristalizar a pobreza, a corrupção e até os conflitos armados, sobretudo quando os sistemas de governança são inadequados”.

Segundo um estudo de 2013 da organização sem fins lucrativos Revenue Watch Institute (agora conhecida como Natural Resource Governance Institute), essas indústrias faturam bilhões de dólares por ano, mas só uma pequena fração desse dinheiro chega às comunidades pobres nos países em desenvolvimento.

Mais de 80% dos países pesquisados pelo Revenue Watch Institute não criaram normas de transparência satisfatórias nesses setores, e a metade nem mesmo havia dados os passos fundamentais nesse sentido. As conclusões constituem um “déficit de governança impactante”, destacou a organização. Porém, cada vez mais países buscam assistência na negociação dos contratos de extração com empresas multinacionais, afirmam especialistas em desenvolvimento.

Tenham os governos uma boa gestão ou não, “a motivação é a mesma, gerar a maior quantidade de dinheiro mediante os contratos de recursos naturais”, disse Ian Gary, assessor da organização Oxfam Estados Unidos, sobre a indústria da extração. “Os governos reconhecem que nessas negociações enfrentam grandes empresas que trazem dezenas de advogados com enormes vantagens para fazer esses negócios. Seja como for, é uma tentativa de igualar as condições”, afirmou Gary.

Os doadores multi e bilaterais, entre eles o Banco Mundial e o governo alemão, reforçaram a assistência técnica nessa área nos últimos anos, e a Connex terá um papel fundamental na coordenação desses esforços. Contudo, Gary insiste que a preocupação gerada pela transparência e governabilidade deverá se integrar aos pacotes de assistência.

“Tem de haver reciprocidade entre os doadores que prestam essa ajuda técnica e os governos que a recebem para garantir que os contratos posteriores se tornem públicos e que os cidadãos possam supervisionar essa informação”, pontuou Gary. “Lamentavelmente, não estou certo de quanto interesse terão os doadores na próxima semana para tratar desses temas delicados”, acrescentou. Além do contexto da iniciativa Connex, um fator de moderação incipiente nesse assunto pode surgir de outra fonte, as mesmas corporações multilaterais.

O CCSI destacou que os aspectos econômicos de um contrato mal negociado podem afetar as duas partes porque, por exemplo, podem aumentar os protestos sociais, reduzir a segurança para as concessões das empresas ou modificar os termos legais do contrato, como os impostos que as empresas devem pagar. Por outro lado, se os governos do sul em desenvolvimento tiverem equipes de negociação mais fortes, segundo esse critério, poderão conseguir contratos mais fortes e maior legitimidade para os negócios de extração.

“Há empresas que estão percebendo que não lhes convém no longo prazo fazer acordos extremamente ruins para os governos”, ressaltou Gary. “Com o tempo, as condições desses acordos se tornarão públicas e isso pode conduzir à instabilidade. Uma empresa petroleira pode operar em um determinado país durante 30 anos, assim, em última instância, lhe convém garantir que não haja surpresas pelo caminho”, concluiu. Envolverde/IPS