O governo toma medida cambial mais forte desde Lula e pode intervir no coração do mercado.
O governo enfim decidiu jogar a bomba atômica no mercado de câmbio. Por meio de um decreto e uma medida provisória, avisou que pode intervir à vontade no mercado futuro de dólar e nos instrumentos financeiros ali negociados, derivativos.
A radiação da bomba vai causar mutações no mercado de câmbio. Mas ainda deve ser um tiro n’água no que diz respeito a limitar a valorização do real. No entanto, deve limitar a facilidade com que se realizam operações amalucadas de endividamento em dólar.
Até agora, desde 2009, havia controles convencionais do influxo de dólares. Os governos petistas haviam tomado apenas medidas indiretas, remotas, com o fim de limitar negócios no mercado futuro, que, não raro, gira dez vezes mais dinheiro que o mercado à vista – é onde se define mesmo o preço da troca de reais por dólares.
Ontem, depois de quase dois anos de hesitação no assunto, o governo chutou a porta do futuro. Durma com um barulho desses e chupe o dedo quem considerava que a política econômica de Dilma Rousseff se encaminhava para a ortodoxia.
O governo pode aumentar o imposto sobre negócios com derivativos de câmbio de 1% para até 25%. Isto é, sobre negócios de quem aumentar sua exposição vendida em “moeda estrangeira”.
O governo pode ainda encarecer a operação, exigindo mais garantias nos derivativos. Pode modificar prazos da operação. Pode fazer o diabo. O pessoal do mercado estava ontem entre fulo e confuso.
Na prática, o aumento do custo (e do risco de o governo intervir mais) dos negócios no mercado futuro deve fazer com que parte das operações migre para o mercado à vista ou para o exterior. Note-se que, faz duas semanas, o governo limitou o passivo dos bancos em dólares “no presente” (limite para “posição vendida”).
O aumento do custo das operações no futuro em tese deve também encarecer e tornar mais arriscada a tomada de empréstimos no exterior. O encarecimento da operação com derivativos pode ainda reduzir a liquidez (quantidade e volume de negócios) em tempos de estresse, com o que o dólar pode variar mais em momentos de crise.
Mercados de contratos futuros, em suma, servem para que, por algum custo, garanta-se que o valor a ser recebido por tal ou qual ativo no futuro seja equivalente a um certo valor esperado agora (“fazer hedge“). Isso ao menos nos termos da cartilha “Caminho Suave” dos derivativos: comprar proteção contra variações indesejáveis de preços.
Na prática, derivativos servem para apostas em geral de que, no futuro, um ativo ou uma taxa ou um índice qualquer de nossa preferência vá nos render mais do que os ativos preferidos pela nossa contraparte no negócio.
As medidas de ontem dizem respeito aos derivativos que dependem da variação do preço do real em relação ao dólar (“moeda estrangeira”). Esse mercado serve, claro, para proteção contra o risco cambial da torrente de empréstimos em moeda estrangeira para o setor privado, serve para organizar operações para que não residentes ganhem dinheiro com a indecente taxa de juros brasileira (para “especulação”).
O governo tentou limitar as duas operações.
* Vinícius Torres Freire é jornalista.
** Publicado originalmente no no jornal Folha de S. Paulo e retirado do site IHU On-Line.