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Dúvidas e ilusões por um novo impulso à reforma migratória nos Estados Unidos

Um guatemalteco de 16 anos em sua viagem para os Estados Unidos. Foto: Wilfredo Díaz/IPS
Um guatemalteco de 16 anos em sua viagem para os Estados Unidos. Foto: Wilfredo Díaz/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 6/2/2014 – Os defensores de uma reforma migratória nos Estados Unidos procuram capitalizar o novo impulso nacional sobre o tema, depois que os congressistas conservadores puseram fim a meses de vacilos e apresentaram uma “lista de princípios” para negociar.

Nesse documento, legisladores do opositor Partido Republicano finalmente abriram uma porta para que alguns ilegais obtenham a legalização, desde que residam há algum tempo no país e não tenham antecedentes penais, e para que os “dreamers” (jovens ilegais que entraram quando crianças) recebam a cidadania.

Os princípios permitem a legalização apenas para trabalhadores não documentados que respeitam a lei, “paguem significativas multas e impostos atrasados, consigam um bom domínio do inglês e da cultura cívica norte-americana e sejam capazes de manterem a si e suas famílias” (sem acesso a benefícios públicos). Entretanto, também pedem o fortalecimento da segurança na fronteira e a consolidação de uma política de “tolerância zero” para quem entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

O FWD.us, um grupo de pressão da indústria tecnológica liderado pelo fundador da rede social Facebook, Mark Zuckerberg, que apoia os esforços para mudar o sistema migratório, declarou a última segunda-feira “dia de ação” para aproveitar este novo impulso. A organização exortou a população norte-americana a entrar em contato com os principais legisladores do Partido Republicano para promover a reforma.

Neste país há 11 milhões de imigrantes ilegais, muitos sofrendo exploração. Nos últimos cinco anos o governo de Barack Obama deportou dois milhões de pessoas. Grupos religiosos, que representam um dos setores conservadores a favor da reforma, também redobraram seus esforços. Os cristãos evangélicos destacam o dano que as atuais leis de imigração provocam nas famílias em condição ilegal.

“Mais do que em razões de segurança e econômicas, penso que se necessita da reforma para a saúde das famílias”, ressaltou Alex Cosio, pastor evangélico do Estado da Carolina do Norte, durante entrevista coletiva no dia 3. “As famílias sofrem muito quando temem que algum parente pode ser preso e deportado. A deportação divide as famílias”, afirmou.

Cosio também apontou os efeitos negativos do atual sistema migratório nos jovens ilegais que foram trazidos para os Estados Unidos quando crianças. “É muito difícil para um pai dizer ao filho que não pode ter licença para dirigir porque não estão de maneira legal no país”, acrescentou.

No ano passado, o Senado aprovou um projeto de lei para revisar todos os aspectos do sistema migratório do país. Essa proposta teria aberto um caminho para a cidadania para muitos dos 11 milhões de ilegais, mas republicanos na Câmara de Representantes se opuseram argumentando que, na realidade, isso era uma “anistia” para responsáveis por crimes. Desde então, a iniciativa permaneceu parada e os republicanos não se decidiam sobre como proceder em relação a ela.

Ao contrário de seus colegas no Senado, os líderes republicanos na Câmara de Representantes agora afirmam que não desejam abordar o tema da imigração em um projeto de lei único. Preferem tratar este e outros assuntos relacionados em separado, por meio de sucessivas leis até potencialmente resolver o conflito.

Porém, o fato de a Câmara de Representantes estar novamente discutindo a questão deu a muitos promotores da reforma um renovado otimismo. Em alguns casos, os novos princípios republicanos mostram um giro ideológico de 180 graus. Por exemplo, aceitam pela primeira vez uma via para que jovens ilegais com diploma superior ou que sirvam no exército obtenham a residência legal ou mesmo a cidadania.

Isso representa uma aproximação com as propostas de uma iniciativa anterior do governante Partido Democrata, conhecida como Lei Dream (Progresso, Alívio e Educação para Menores Estrangeiros, em inglês), à qual se opuseram alguns congressistas republicanos. As múltiplas tentativas sem êxito, desde 2001, para aprovar esta lei no Congresso levaram Obama a emitir uma ordem executiva que deteve a deportação de jovens sem documentos em dia que cumprissem certos requisitos.

“Creio que podemos estar seguros de que aqueles que se qualificam sob as leis e regras estabelecidas para os estudantes na Dream se converterão em um grande valor para nossa nação”, opinou à IPS a diretora da Associação Cristã para o Desenvolvimento Comunitário, Noel Castellanos. “Nem todos esses jovens acabarão indo à escola, mas alguns entrarão no exército e contribuirão com grandes obras para servir ao nosso país”, acrescentou.

Além da direita cristã, a Câmara de Comércio, maior lobby empresarial do país, também recebeu com agrado os princípios republicanos. “A reforma migratória é um elemento essencial do crescimento econômico, e criará empregos norte-americanos”, afirmou em uma declaração o presidente dessa instituição, Thomas J. Donahue. “O momento é agora, e a Câmara está determinada a conseguir que 2014 seja o ano em que finalmente será aprovada essa reforma migratória”, afirmou.

Enquanto os grupos conservadores que apoiam a reforma se mostraram esperançosos com a lista de princípios republicanos, no campo progressista houve menos entusiasmo. A America’s Voice, organização pró-reforma com sede em Washington, criticou o fato de os republicanos insistirem em fortalecer a segurança na fronteira com o México, como requisito para avançar na legalização dos imigrantes. Os ativistas alertam que o gasto com segurança fronteiriça já é exorbitante.

“O governo dos Estados Unidos gasta US$ 18 bilhões anuais para fazer cumprir as leis de imigração, mais do que todas as agências federais combinadas”, apontou essa organização em uma análise enviada à IPS. “A patrulha fronteiriça duplicou nos últimos anos para chegar ao recorde de 21 mil agentes. Porém, os republicanos estão desempoeirando a velha postura de ‘segurança primeiro’, fazendo crer que é isso o que falta”, afirmou a America’s Voice.

Defensores dos direitos trabalhistas também condenaram o fato de os republicanos se negarem a facilitar o acesso de estrangeiros à cidadania, com o argumento de que isso afetaria os postos de trabalho e os salários dos norte-americanos. “Enquanto não tivermos um sistema migratório com um caminho para a cidadania, empregadores inescrupulosos continuarão explorando trabalhadores com baixos salários, empurrando para baixo o salário de todos”, alertou Richard Trumka, presidente da AFL-CIO, maior central sindical dos Estados Unidos.

“Os lugares de trabalho serão mais seguros e os salários crescerão para todos os empregados, sejam imigrantes ou não, quando pudermos abrir um caminho para a cidadania. E, no entanto, os republicanos rejeitam isto e abraçam um modelo que reduzirá os salários e aumentará a desigualdade de renda”, ressaltou.

Ainda não está claro como continuarão as discussões no Congresso, e se todos os republicanos estarão juntos em relação a estes novos princípios. No dia 2, o representante republicano Paul Riyan declarou a jornalistas estar “claramente em dúvida” quanto ao apoio do Congresso a uma reforma migratória este ano. Depois de tudo, em novembro haverá eleições legislativas nos Estados Unidos, e a reforma migratória é um tema candente para muitos. Envolverde/IPS