No meio ambiente existe o bloco dos “amigos da natureza”, que às vezes não mede os riscos ao atravessar o samba do bloco dos “amigos do progresso a qualquer preço”. Alguns chegam a ser eliminados do espetáculo. Entre os problemas dos “amigos da natureza” está a dificuldade em cantar o mesmo samba juntos. Os “amigos do progresso a qualquer preço” adoram isso, por que ganham com a confusão. Entre os “amigos da natureza” tem alguns que também adoram uma confusão, por que o negócio é aparecer e assim aumentar as chances de ganhar alguns minutos de fama, ou mesmo uma boquinha, um carguinho ou verbinhas para seus projetos. Às vezes, criam dificuldades para negociar facilidades e exageram nas gorduras dos gestos, dos gritos e das reivindicações para, na hora do reparte, não ter de cortar nas carnes. Tem outros que acreditam tanto no consenso que acabam flertando com o “inimigo”. Quando descobrem que foram enganados – geralmente tarde demais para o meio ambiente –, migram para o bloco dos “ressentidos”, ou do “vai dar merda”, ou do “eu avisei”.
A plateia costuma assistir ao espetáculo entre uma mastigada e outra no jantar, entre uma ou outra notícia de bala perdida, sequestro relâmpago, nada que tire o sono, pois logo a seguir vem a novela, depois o futebol ou o BBB. Quando a turma dos “inimigos do meio ambiente” atravessa o samba, logo entra em cena o bloco do “deixa comigo que já estou cuidando de tudo”, e tem a turma da “diretoria” que aposta no quanto pior para o meio ambiente melhor, por que significa que mais um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) vai ser negociado entre um voo de jatinho e outro, e sempre sobra uma vantagenzinha para engordar o caixa ou o prestígio eleitoral.
Audiência pública nem precisa, pois só serve para que os que vão sofrer as consequências saibam o tamanho do desastre ambiental que vai se abater sobre eles. Afinal, não é uma perereca ou um bagre ridículo, ou algum índio emplumado ou meia dúzia de plantadores de alface que vão atrapalhar o espetáculo do progresso a qualquer preço pelo bem do Brasil e dos brasileiros! Claro, sempre dá para descolar uma almofada como medida mitigadora para aliviar a dor das tragédias.
Azar é quando uma das alegorias do bloco do “progresso a qualquer preço” quebra no meio da avenida. É um corre-corre para abafar a situação e não deixar que o incidente atrapalhe o espetáculo do crescimento. Nessa hora, entra na avenida a tropa de choque dos foliões dos blocos “nada a declarar”, “fica tranquilo que o problema já foi resolvido”, “já abri um inquérito para apurar as responsabilidades”, “já multamos em milhões e estamos negociando um TAC”. Tudo perfeitinho como manda o figurino. E aí é só apostar para que o problema suma logo das vistas do público por que aí a mídia vai se desinteressar rapidamente e assim, tudo volta ao normal, e o samba pode retomar o ritmo do “vamos em frente enquanto tem meio ambiente”.
Os únicos chatos que não esquecem são alguns “amigos da natureeza” biodesagradáveis, mais conhecidos por ecochatos, que deveriam ser coerentes e voltar a andar nus, morar em cavernas e usar a luz das fogueiras. Mas não, essa gentinha gosta mesmo é de reclamar e atrapalhar, e é ajudada por um tipo de imprensa que só gosta de notícia ruim! Parece que tem uma especial predileção para o que não dá certo. Não adianta imprimir relatórios de sustentabilidade em papel reciclado, neutralizar as emissões de carbono plantando árvores, nada parece deixar esse pessoalzinho satisfeito.
Ainda bem que existe o bloco dos “contentes” para animar o Carnaval do “progresso a qualquer preço”. Não importa quanto aumente o desmatamento ou o aquecimento global, derrame óleo nos mares, ou vaze radiação nuclear, vai ficar tudo numa boa. O “bloco dos contentes” tem fé na ciência e na tecnologia salvadoras e que logo logo darão um jeito em tudo, e ainda farão poluição e destruição ambiental dar lucros com máquinas maravilhosas transformando lixo e esgoto em energia e devolvendo recursos naturais ao planeta! Quem tiver um lixão que o guarde bem, pois valerá seu peso em ouro! Água poluída, então, nem se fala! Com o reúso vai até sobrar dinheiro no caixa das empresas, que não precisarão mais comprar água para resfriar processos! Os engarrafamentos se transformarão numa das novas maravilhas desse novo mundo, com carros emitindo apenas vapor d’água, verdadeiras ilhas de conforto com ar-condicionado movido a energia solar, e equipamentos de som e vídeo de dar inveja a qualquer discoteca das mais avançadas.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental) e edita, deste janeiro de 1996, a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.