Nações Unidas, 4/10/2011 – Os grandes contaminadores não deveriam ir à cúpula que acontecerá no final deste ano em Durban, na África do Sul, e sim permitir “que as principais vítimas da mudança climática fixem as regras” para combatê-la, disse Patrick Bond à IPS. “Precisamos entender o conceito de dívida climática como componente da dívida ecológica que o Norte tem com o Sul”, afirmou este especialista em justiça climática e autor do livro “Politics of Climate Justice” (A política da justiça climática), que será lançado em novembro. A IPS conversou com Bond em Nova York.
IPS: O que é preciso para que a 17ª Conferência das Partes (COP 17) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Durban seja um resultado que rompa com as promessas vazias de sempre?
PATRICK BOND: É necessário que as delegações de Washington, Ottawa, Londres, Bruxelas, Tóquio, Moscou, Nova Délhi, Pequim, Brasília e Pretória fiquem em casa, e deixem que as principais vítimas da mudança climática estabeleçam as regras pelas quais os grandes contaminadores parem o que fazem e paguem indenizações a todos os demais. E também é preciso criar um Tribunal Internacional de Justiça Climática que imponha sanções a quem não cumprir uma solução para salvar o planeta. Mesmo que muitos ativistas nestas capitais peçam aos seus líderes que fiquem em casa em interesse de um resultado que implique um avanço na COP 17 (de 28 de novembro a 9 de dezembro), serão ignorados, como sempre. Necessitamos que os ativistas da África e de todo o mundo se unam para conseguir soluções de justiça climática, para manter os combustíveis fósseis no solo mediante uma ação direta, como a que vimos no começo deste mês na Casa Branca (1.252 foram presos por protestarem contra o oleoduto Keystone XL), e para gerar estratégias de transição justas que se afastem dos sistemas de energia, transporte, extração, produção, distribuição, consumo e eliminação (atualmente em uso) que ameaçam o clima.
IPS: Em seu livro, o senhor diz que as elites mundiais não conseguiram “uma solução genuína para a crise climática”. Como seria essa solução e por que não a conseguiram?
PB: As elites mundiais mais destrutivas são as do setor dos combustíveis fósseis e seus aliados no Banco Mundial e na Casa Branca, bem como no Departamento de Estado e no Departamento de Energia dos Estados Unidos, o governo conservador do Canadá e a indústria de extração de areia de alcatrão. Eles estão decididos a expandir as emissões de gases-estufa o máximo possível. Eles ensinaram isso aos governos de países de renda média, assim parece, pois todos, talvez com exceção da Bolívia, foram às conferências das partes com o objetivo de elevar o teto das emissões de gases-estufa, para permitir que cada bloco nacional de elites estatais apoiadas por suas classes capitalistas contaminem o máximo possível, sem importar as consequências… A solução deveria seguir o precedente do Protocolo de Montreal de 1987, para salvar a camada de ozônio dos clorofluorocarbonos (CFC), e proibir categoricamente essas substâncias depois de um adequado período de eliminação (nesse caso nove anos). Mas os ideólogos do mercado e as indústrias dos combustíveis fósseis não permitirão isso, assim, os delegados estão de mãos e pés amarrados, e nós somos bobos se pensamos que com a Convenção Marco têm os meios para abordar a mudança climática, devido ao atual desequilíbrio de forças.
IPS: Considera que os países afetados e a comunidade internacional compartilham adequadamente as cargas e responsabilidades vinculadas à mudança climática?
PB: Precisamos entender o conceito de dívida climática como componente da dívida ecológica que o Norte deve ao Sul. O que todos sabemos é que a responsabilidade pela mudança climática radica no Norte, o que naturalmente inclui as empresas que operam irresponsavelmente no Sul, como BHP Billiton e Anglo American na África do Sul, que obtêm a eletricidade mais barata do mundo e depois a exportam para Melborune e Londres, respectivamente. Os ativistas climáticos concordam que para a carga estar compartilhada é preciso acabar com os acordos de preços especiais da era do apartheid, que dão a essas empresas seus hiperlucros destruidores do clima, para que, em troca, a vasta maioria da população tenha acesso a mais eletricidade básica gratuita do que os atuais 50 quilowatts/hora mensais por domicílio. Não se trata simplesmente de uma demanda “nacionalista do Terceiro Mundo”. A dívida climática, que segundo a maioria das estimativas provavelmente supere os US$ 400 bilhões anuais, não deveria ser paga através de tiranos, como Meles Zenawi, da Etiópia, e o rei Mswati, da Suazilândia. Por outro lado, mecanismos de pagamentos diretos semelhantes ao “subsídio da renda básica”, da Namíbia deveriam garantir aos que foram prejudicados pela mudança climática – a maior parte do Paquistão no ano passado, por exemplo – que sejam reembolsados diretamente mediante transferências de fundos locais, evitando Estados corruptos e intermediários da indústria da assistência.
IPS: Qual papel têm no âmbito mundial as economias emergentes, que são, simultaneamente, importantes emissoras de gases-estufa?
PB: O melhor seria que um governo com o da África do Sul deixasse que esses países fracos liderassem o processo, pois serão os mais prejudicados: nos Andes e nos Himalaias, quando as geleiras e a neve derretem, nas pequenas ilhas que afundam, em boa parte da África devastada pela seca, em lugares onde se sofre terrivelmente com a elevação do nível do mar, como Bangladesh. Os bolivianos têm os melhores antecedentes, e também desenvolveram em abril de 2010 um Acordo dos Povos na localidade de Cochabamba que, em um mundo justo, deveria substituir o Protocolo de Kyoto (em vigor desde 2005). Por outro lado, os países Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) decidiram se unir aos Estados Unidos (na COP 15), de Copenhague. Isto os desqualifica para serem parte da solução. Assim, o papel adequado para os negociadores das economias emergentes é se desculpar pelo Acordo de Copenhague e por subsidiarem corporações multinacionais com eletricidade, mão de obra ultrabarata e contaminação, e passar as políticas climáticas ao movimento pela justiça climática, que tem as ideias necessárias para abordar a crise adequadamente. Envolverde/IPS