Cairo, Egito, 25/11/2011 – A nova crise política no Egito desperta temores de que as primeiras eleições parlamentares após a queda do regime de Hosni Mubarak (1981-2011), previstas para a próxima semana, sejam canceladas. Dias de combates entre manifestantes e forças de segurança culminaram, no dia 22 à noite, em um maciço protesto na Praça Tahrir, no centro do Cairo, para exigir que os militares abandonem o poder.
“Houve enfrentamentos de rua entre policias e manifestantes durante os últimos quatro dias”, disse à IPS o presidente do centrista Partido Kenana, Ashraf Barouma. “Como pode haver eleições nestas circunstâncias?”, perguntou. No dia 18, centenas de milhares de manifestantes se reuniram na Praça Tahrir para protestar contra as políticas do Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país desde a derrubada de Mubarak em fevereiro.
Além de exigir a realização de eleições presidenciais no ano que vem, os manifestantes rechaçaram uma série de “princípios supraconstitucionais”, propostos pelo governo, concedendo aos militares poderes excepcionais. No final do dia, manifestantes, a maioria de orientação islâmica, desmontaram suas barracas e deixaram a Praça. Contudo, várias dezenas de pessoas, incluindo familiares de mortos no levante de janeiro, decidiram permanecer.
A crise começou na manhã seguinte, quando as forças de segurança apareceram abruptamente e tentaram dispersar com violência os que estavam acampados. Quando outros ativistas souberam disso, principalmente pelas redes sociais na internet, começaram a chegar mais e mais manifestantes à Praça. Foram centenas, e depois milhares. Nos três dias seguintes, Cairo foi palco de fatos semelhantes ao levante de janeiro, com duros choques das forças de segurança, que empregaram gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real, contra grupos armados apenas com pedras.
No dia 21, a política se retirou da Praça, deixando-a nas mãos de dezenas de milhares de manifestantes, incluindo simpatizantes dos mais importantes partidos políticos e de movimentos juvenis revolucionários. Estes prometeram não partir enquanto suas demandas não forem atendidas. Por outro lado, continuavam as escaramuças em ruas próximas, particularmente diante do Ministério do Interior, que fica perto da Praça.
Desde o dia 18, pelo menos 35 manifestantes teriam morrido e mais de mil estariam feridos, segundo o Ministério da Saúde. “O que acontece agora mostra que o Ministério do Interior ainda está disposto a usar as mesmas táticas violentas contra manifestantes desarmados, como fez durante o regime de Mubarak”, disse à IPS o coordenador-geral do movimento juvenil Bedaya, Moustafa Abdel Moneim. Porém, o crescente número de mortes parece ter fortalecido a vontade dos manifestantes.
“A queda de todos estes mártires serviu para unir nossas fileiras e ficarmos mais decididos em nossa cobrança de uma rápida transição para o governo civil”, declarou Abdel Moneim, que está na Praça desde o dia 19. Ele explicou que os manifestantes exigem a formação de um governo revolucionário com plenos poderes para dirigir a transição, a criação de um conselho presidencial civil e o imediato julgamento de funcionários da área de segurança responsáveis por assassinar civis.
O movimento Bedaya, junto com outros 36 grupos revolucionários, organizou uma ocupação na Praça Tahrir que continuará até as demandas serem atendidas. No dia 22 à noite, centenas de milhares (alguns falam em mais de um milhão) de pessoas foram à Praça na maior manifestação no Egito desde janeiro. Depois de forte pressão para que fizesse uma declaração, o chefe do Conselho Supremo, Hussein Tantawi, foi à televisão para anunciar um punhado de concessões.
Com aparência abatida, Tantawi disse que aceitara a renúncia coletiva do gabinete e prometeu eleições presidenciais no mais tardar em junho de 2012. Inclusive, reiterou o compromisso do Conselho Supremo para realizar eleições parlamentares na próxima semana, como previsto.
Entretanto, muitas figuras políticas consideram que a renúncia do gabinete, designado pelo Conselho após a queda de Mubarak, é insignificante. “A renúncia nada significa, já que o governo atua como pouco mais que um secretário do Conselho Supremo, que continua funcionando como governante de fato do Egito”, disse à IPS o presidente do Partido Haras Al Thawra (Guardiães da Revolução), Magdi Sherif.
Enquanto isso, os manifestantes na Praça Tahrir rejeitaram completamente os anúncios de Tantawi e prometeram permanecer no local até que uma autoridade civil substitua os militares. “Ficaremos na Praça até que seja criado um governo de salvação nacional ou um conselho presidencial, com plenos poderes para administrar o país, e até que o exército volte para os quartéis”, afirmou Moneim.
Muitos não estão seguros quanto à realização de eleições na próxima semana. Acreditam que os militares lançaram deliberadamente a repressão no dia 18, para desatar uma onda de violência e assim ter uma justificativa para adiar a votação. “A única explicação que posso encontrar para que tenham causado estes problemas apenas dias antes das eleições é que o Ministério do Interior não quer sua realização”, advertiu Sherif.
Por sua vez, Barouma alertou que realizar eleições na atual tensão pode derivar em um agravamento da violência. “Este vazio de segurança pós-revolucionário, somado à maior presença de armas entre a população, a maioria procedente da Líbia, seguramente converterá as eleições em um banho de sangue”, ressaltou. Envolverde/IPS