"É um erro basear toda a relação com a China no aspecto econômico"

Em entrevista à Carta Maior, Sun Hongbo, especialista do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, fala sobre as relações econômicas entre seu país e a América Latina. Para ele, o caminho para a solução de desequilíbrios é inovar na cooperação e na integração dos interesses econômicos de ambas as partes. A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil desde 2009. É também o primeiro destino das exportações brasileiras e a sua segunda fonte de importações.

O comércio entre a América Latina e a China passou da casa dos US$ 10 bilhões, em 2000, para mais de US$ 100 bilhões, em 2009. O investimento chinês também deu um salto importante nos últimos anos, sobretudo no Brasil. E, no entanto, a relação que parecia de amor eterno durante a viagem de Hu Jintao à América Latina, em 2004, deu lugar a uma mistura de necessidade mútua e desconfiança.

Pouco antes de assumir, Dilma Rousseff visitou a China, para mostrar reconhecimento da importância que a relação bilateral adquiriu, mas ao mesmo tempo, tanto no Brasil como na Argentina ou no México, há um debate crescente a respeito do que parece uma reedição do velho modelo colonial de exportação de bens primários e importação de produtos industrializados. O especialista do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Sun Hongbo, conversou com a Carta Maior e já se referiu, de início, à vitória de Cristina Fernández na Argentina.

Sun Hongbo: A reeleição é um grande acontecimento no quadro da transformação política que a Argentina vive, que vai ajudar a unificar o país e manter o atual crescimento. A Argentina está num extraordinário processo de desenvolvimento econômico com um crescimento anual em torno de 9% desde 2004, se não incluirmos 2009 na crise econômica mundial. A sua (de Cristina) vitória dá ao governo o espaço político necessário para implementar uma estratégia coerente nos âmbitos fiscal, monetário e comercial para enfrentar a atual crise econômica global. Estou certo de que essa vitória estimulará uma integração maior na América do Sul. Um aprofundamento da integração na América do Sul pode ajudar na construção de mecanismos de diálogo mais produtivos entre a China e a região.

Carta Maior – No Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina há uma percepção de um desequilíbrio na relação comercial por meio da qual se vende para a China produtos primários e se compra industrializados. É possível mudar essa dinâmica?

Sun Hongbo – A raiz do problema é inovar na cooperação e na integração dos interesses econômicos de ambas as partes. A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil desde 2009. É também o primeiro destino das exportações brasileiras e a sua segunda fonte de importações. Em 2010, o Brasil foi o novo sócio comercial da China e o comércio bilateral ultrapassou os US$ 62 bilhões, um aumento de 47,5% em relação ao ano anterior. Isto representa 34% do comércio da China com a região.

A importância e a profundidade do vínculo bilateral é inegável. Conheço o debate na imprensa brasileira a respeito de se China é um sócio ou uma ameaça para o Brasil. O argumento é de que as exportações de produtos primários do Brasil não têm o valor agregado necessário e gerariam dependência. Também se percebe uma manipulação do valor do yuan, o que gera uma concorrência desleal para os produtos brasileiros em outros mercados, algo que estaria causando um processo de desindustrialização.

Inclusive o investimento recente da China no Brasil deveria reforçar o diálogo sobre esses temores e a discussão de meios de otimização de sua estrutura de investimentos e a promoção do comércio bilateral. Ao mesmo tempo, ambos os países deveriam mudar sua cooperação bilateral comercial e econômica, e reforçar a cooperação tecnológica em áreas de enorme potencial, como a agricultura, a energia, a biologia, a indústria aeroespacial, a manufatura e os equipamentos.

Carta Maior – Há outra dimensão que é a relação político-diplomática da China com a América Latina. Isto é muito evidente com o Brasil e a estrutura do Bric.

Sun Hongbo – É um erro basear toda a relação no aspecto econômico. No atual panorama mundial há uma interdependência política e diplomática que se percebe nas parcerias estratégicas que a China tem estabelecido com o Brasil, a Argentina, o México, Venezuela e Peru. No nível diplomático, a China percebe que esta nova presença latino-americana favorecerá a criação de um mundo multipolar e melhor governado. Isto já se vê nas alianças formadas na Organização Internacional do Trabalho, no Fundo Monetário Internacional, no G20 e no Banco Mundial. Se a relação da China com o Brasil e com outros países latino-americanos ficar concentrada só no comércio, não será sustentável no futuro.

Carta Maior – Agora se aproxima a reunião do G20. O que a China espera do Brasil?

Sun Hongbo – Acredito que Brasil, Argentina e China, como economias emergentes importantes, têm um papel muito ativo no G20 e um interesse em comum que é mudar a ordem financeira internacional atual, promovendo a reforma do Fundo Monetário Internacional e alterando a proporção de votos dos países desenvolvidos. Também há interesses muito concretos em comum, como proteger o valor de suas reservas estrangeiras. Isso deveria aproximá-los para realizarem projetos de cooperação financeira bilateral que incluam intercâmbios de moeda, empréstimos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento dos recursos naturais.

Tradução: Katarina Peixoto.

* Direto da China.

** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.