Economia cubana: Lar doce lar

Entre as principais mudanças que estão sendo planejadas pelo governo de Cuba como parte de profundas reformas econômicas, está a criação de um mercado imobiliário legal. Além do recente aumento de possibilidades para o autoemprego, esta reforma poderia muito bem ter o maior e mais amplo impacto na população cubana. Isto não só legitimaria a propriedade privada, como também seria o pontapé inicial para um grande reassentamento, melhoras nas moradias, uma indústria da construção privada e um mercado de crédito novo. A reforma também poderia alavancar um novo fluxo de dinheiro de cubanos que vivem no exterior.

No período entre novembro de 2010 e abril de 2011, em debates sobre as reformas da política econômica – diretrizes aprovadas durante o congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), em abril –, a compra e venda de casas foi um dos temas a receber maior número de comentários públicos. Isso revelou fortes apelos para o mercado imobiliário ser liberalizado, o que não surpreendeu, dadas as grandes restrições sobre os reassentamentos e a baixa demanda por habitação em meio há décadas de escassas moradias. Embora, tecnicamente, os cubanos sejam donos de suas casas, eles não estão autorizados a comprá-las ou vendê-las, e isso levou a um mercado próspero, mas ineficiente para swaps e vendas de casas.

Acredita-se que a liberalização para permitir um mercado imobiliário livre não só facilita esse processo, mas também leva a grandes melhorias no parque habitacional existente. E criaria oportunidades para a criação de empregos e lucros que superariam somas ganhas por qualquer cubano por meio de autoemprego de pequena escala. Além disso, a maior preocupação das autoridades nesse caso seria a geração de disparidades de riqueza, como as que se desenvolveram após a posse da propriedade tornar-se possível em lugares como o antigo bloco soviético e a China.

Esperando as regras do jogo

Autoridades dizem que as regras a reger um mercado imobiliário não estarão prontas até o final de 2011. Há muitas questões complexas que têm de ser abordadas, incluindo a política de preços, os impostos e financiamentos de moradias, entre outros. A liberalização do mercado de automóveis usados, também prometida para até o final do ano, será simples em comparação à do mercado imobiliário. Os novos regulamentos para carros removerão as proibições de venda direta de automóveis de fabricação pós-1959, e sobre a propriedade de mais de um carro, mas parece que o direito de comprar carros novos continuará a ser restrito. O nível de imposto sobre automóveis ainda não foi determinado.

O desejo para a criação de um mercado oficial de moradias surge principalmente da frustração com os intermináveis processos burocráticos ??envolvidos na mudança de uma casa para outra. A redistribuição das propriedades após a Revolução de 1959, combinada com a concessão de propriedade aos arrendatários, resultou em um parque habitacional atualmente ocupado por mais de 80% dos proprietários, mas transferências de propriedades só podem ser realizadas por intermédio do Estado a preços fixos. Com as transferências de casas agora administradas por um relatório com 188 regulamentos, existe um ascendente mercado negro de compras ´´por debaixo da mesa´´, facilitado por subornos. O governo prometeu introduzir uma transação simplificada a envolver apenas a aprovação de um tabelião, uma transferência bancária e o pagamento de um imposto ainda não especificado.

O novo mercado trará várias implicações e mudanças importantes a curto e a longo prazos, incluindo as seguintes:

a) Modelo de propriedade privada. Quando as vendas são legalizadas, um aumento nas vendas de ricas propriedades é provável. Mas, as famílias de baixa renda precisam monetizar seus ativos, enquanto aquelas com poupança compram espaços maiores. Os padrões de propriedades habitacionais refletirão, portanto, na distribuição da renda mais de perto. Embora a permissão seja de apenas uma propriedade por pessoa, há uma expectativa de que as autoridades não procurarão impedir a propriedade de segundas residências (por exemplo, chalés de fim de semana), que já existem.A propriedade será provavelmente restrita a cidadãos cubanos e estrangeiros residentes em Cuba. Regras terão de ser claras em casos de herança, de doação e de transferência para parentes no caso da imigração permanente;

b) Construção civil. À medida que novos proprietários investem em melhorias nas suas casas, uma área completamente nova da atividade econômica será criada no setor privado da construção. Esta atividade vai receber um impulso súbito, no período que segue imediatamente ao da criação de um mercado imobiliário, porque a demanda reprimida para a transferência vai libertar um enorme estoque de capital pessoal. De forma eficaz, vai representar o descongelamento de ativos congelados;

c) Criação de crédito e hipotecas. A demanda por empréstimos para financiar a compra da casa própria incentivará a criação de um mercado de hipotecas. Isto pode também ajudar a estimular o eventual desenvolvimento de empréstimos a pequenas empresas. O sistema bancário cubano tem, até agora, cedido crédito às famílias para compra apenas de bens de consumo duráveis e para empresas privadas do setor agrícola (onde, segundo relatos da imprensa, no início de julho, mais de 13 mil agricultores receberam empréstimos a taxas de juros de 3% a 7%). O desenvolvimento de um mercado imobiliário poderia facilitar novos tipos de empréstimos, com a casa própria servindo como uma espécie de garantia para pessoas que desejam iniciar um pequeno negócio;

d) Comunidades e bairros. O mercado imobiliário terá efeitos de longo alcance e a longo prazo sobre a sociedade cubana e sobre o desenvolvimento urbano. Famílias mais ricas estarão concentradas em bairros mais procurados, enquanto os cubanos mais pobres permanecerão em zonas degradadas, conforme os mais pobres vão se mudando. Este processo já está em curso, como resultado do mercado negro de venda de imóveis, mas a legalização poderá acelerá-lo. Ao longo do tempo, a tendência será a agravação do privilégio social e da pobreza, a menos que políticas sejam introduzidas para combater a “guetização”.

* The Economist Intelligence Unit – The Economist.

** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.