Eu estava no metrô de Brasília ontem, e de repente me veio um pensamento forte: “O movimento de Economia Solidária nasceu!”, e senti uma grande alegria me tomar por dentro, e um desejo de escrever esta carta…
Comecei a ver as tantas pessoas, empreendimentos, organizações, redes, que estão construindo, há tantos anos, o embrião de outro(s) modelo(s) de desenvolvimento a partir das mais diversas práticas econômicas, políticas, culturais e sociais.
Vi a beleza dos empreendimentos, contra a corrente, se organizando em redes, centrais de comercialização, grupos de consumo, uniões representativas nacionais ou locais. Produzindo, vendendo, fazendo feiras, trocando, e muitas vezes passando inúmeras dificuldades para sobreviver, sem apoio algum, e mesmo assim militando, participando de encontros, reuniões de fóruns, assembleias, conferências. Cada empreendimento solidário, que se pauta pela partilha, pela cooperação, pelo respeito e pela inserção no território é um núcleo real, concreto, de transformação social.
Vi a beleza de pesquisadores e alunas(os) universitárias(os), tentando quebrar o isolamento das universidades para dar um sentido maior à construção do conhecimento com a participação popular por meio de incubadoras e pesquisas inovadoras.
Vi a beleza do setor de igrejas, de tantas denominações, lutando contra um conservadorismo e alienação política nas estruturas eclesiais ou evangélicas, buscando dar um sentido político aos valores, místicas e parábolas bíblicas.
Vi a beleza das tantas organizações sem fins lucrativos, que abraçam a educação popular, educação no campo, a luta pela democracia, pelo meio ambiente, pela segurança alimentar e nutricional, pela justiça ambiental, e tantas outras, denunciando o atual modelo de desenvolvimento e se articulam com as mais diversas alternativas econômicas propositivas.
Vi a beleza das tantas pessoas que decidem entrar no poder público, assumir cargos de gestão, e travarem uma enorme luta dentro do governo municipal, estadual ou nacional para poder fazer avançar políticas de apoio à economia solidária. E estas mesmas pessoas, gestores públicos, se organizando em rede para fazer parte também do movimento de economia solidária.
Vi a beleza dos vários movimentos afinados, especialmente o de mulheres, mas também os da cultura livre, da reforma agrária, de povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais e tantos outros), da agroecologia, o movimento sindical de trabalhadores rurais e urbanos: quanta gente abraçando causas específicas e ao mesmo tempo buscando dar corpo a alternativas econômicas por meio da economia solidária, iniciando um processo importante de convergências entre movimentos, tendo o território como local de articulação, para além das setorialidades, e buscando articular a denúncia, a resistência e a construção de alternativas.
O movimento de Economia Solidária está mostrando sua cara, que tem várias cores e tons.
Está começando uma longa trajetória para sair da invisibilidade.
Está despertando!
O movimento conseguiu, nestes últimos 36 dias, afirmar que tem um horizonte político muito diferente do horizonte político defendido pelo Sebrae, CNI e outros que pregam a necessidade de concorrência, isolamento, individualismo, competição e eficácia na maximização dos lucros, além de defenderem o atual modelo de desenvolvimento e de organização da economia e da sociedade.
O movimento conseguiu, nestes últimos 36 dias, afirmar que a Economia Solidária é diferente. Defende a mudança no modelo de desenvolvimento e de sociedade, para que seja pautada pela participação, democracia econômica, autogestão, cooperação, diversidade cultural, étnica e de gênero, pela territorialidade, e pelo cuidado com nosso meio ambiente.
Na próxima semana vamos começar as audiências públicas. Estou muito animado, e confiante quanto à sabedoria de todas e todos que estão na base e vão participar destas audiências.
Somos muito diversos, polemizamos muito, temos muitos conflitos internos. Mas esta diversidade é nossa força também: há os que puxam mais o econômico (como as uniões locais e nacionais), os que puxam mais o ideológico (como as universidades), os que puxam mais a reciprocidade e o comunitário (como as organizações de igrejas progressistas), os que puxam mais as questões de diversidade de gênero, raça e etnia, os que puxam mais o político. E todas estas dimensões estão, de alguma maneira, na alma de cada pessoa, de cada empreendimento, de cada trabalhador(a) de empreendimento, de cada organização e rede.
E estão todas articuladas nos fóruns municipais, estaduais e nacional de Economia Solidária.
Esta é uma mensagem de amor: a todas e todos que estamos dando um salto histórico de despertar de um novo movimento social, muito especial, ainda com muitos desafios pela frente, mas que está caminhando e construindo sua autonomia e um jeito próprio de fazer política, a partir da produção, da atividade econômica, da união entre o econômico, o político, o cultural, o ambiental e o respeito à diversidade de gênero, raça e etnia.
“É muito fácil ouvir uma árvore que tomba. Mas ninguém ouve toda uma floresta a crescer.” – provérbio africano.
Boas vindas ao Movimento de Economia Solidária!
E boas audiências a todas e todos!
* Publicado originalmente no Beta Cirandas e retirado do site Adital.