Berkeley, Estados Unidos, 3/10/2013 – As sangrentas imagens que das redes sociais acompanharam a chegada de jihadistas à Síria, há 18 meses, estão de volta. Contudo, desta vez procedem do Egito. Fotografias no Facebook e no Twitter mostram dezenas de cadáveres em mortalhas brancas, alinhados em necrotérios, hospitais e até em corredores de mesquitas. Outras mostram corpos carbonizados, com os cérebros das vítimas à vista. A maioria das imagens está acompanhada da palavra justiça.
“Nosso autocontrole não se deve ao medo, mas ao respeito pelo sangue humano e pela segurança de nosso país”, diz uma publicação em uma conta no Facebook. “Se nos pressionarem muito, e nos colocarem contra a parede, nos defenderemos”, acrescenta. Três meses depois do golpe de Estado, que em 3 de julho derrubou o primeiro governo democraticamente eleito no Egito, de Mohammad Morsi, morreram centenas de ativistas, há milhares de feridos e muitos mais, principalmente islâmicos, estão presos sem acusação nem julgamento. Os êxitos e fracassos de dois anos e meio de liberdade praticamente foram apagados.
A Anistia Internacional estima que, entre 14 e 18 de agosto, foram assassinadas 1.089 pessoas na repressão às manifestações contra o golpe nas praças Rabaa e Al Nahda, no Cairo. A organização Human Rights Watch considera que se tratou da maior matança na história moderna do Egito. Semanas mais tarde, a ofensiva militar persiste e a quantidade de vítimas aumenta de maneira constante, enquanto aumentam os chamados de autodefesa entre os islâmicos que são alvo da repressão.
A ideologia da violência como única via para a mudança, seguida pela rede extremista Al Qaeda, perdera vigor com as reformas pacíficas que a Primavera Árabe levou ao Egito. Mas agora está de volta como opção, afirmam observadores de movimentos políticos islâmicos. “Seguimos ao pé da letra as prescrições democráticas do Ocidente, mas basta um muçulmano chegar ao poder e o mundo vira o rosto para o outro lado. Ninguém respeita realmente a democracia”, diz a página de um islâmico no Facebook.
A urgência de resistir à investida é sentida mais intensamente entre os jovens. Em discussões privadas, muitos expressam frustração com seus dirigentes, especialmente da Irmandade Muçulmana, por pregarem uma mudança gradual em lugar de “revolucionária”. Para alguns ativistas, o Conselho Consultivo (Shura), que governa a Irmandade Muçulmana não passa de um grupo de derviches (religioso muçulmano que segue vida de pobreza e austeridade), místicos errantes alheios à realidade. “O modelo da revolução iraniana talvez não seja tão ruim”, disse um ativista.
A repressão dos militares é tão discriminada que se tornou um assunto pessoal e cotidiano para muitos jovens, especialmente os islâmicos. Praticamente, todos têm alguém que foi morto, preso ou torturado, um pai, um irmão ou uma irmã, desde o golpe, contou o ativista. Se os jovens decidirem pegar em armas, não serão dois ou três. Salah Sultan, importante dirigente da Irmandade Muçulmana, estimou – antes de ser detido esta semana – que a organização tem entre 800 mil e um milhão de membros ativos, sem contar suas famílias e simpatizantes.
A pressão sobre os islâmicos para que peguem em armas também chega do exterior. O grupo armado somaliano Al Shabab, que fora advertido pela Irmandade Muçulmana de que a violência era contraproducente, não perdeu a chance de uma revanche. Em agosto, o Al Shabab se expressou em termos duros sobre a Irmandade Muçulmana e lhe deu um prazo para condenar a democracia, enquanto o mundo via pela televisão a matança de civis que se manifestavam contra o golpe no Cairo.
“Com sua insistência na democracia, vocês estão conduzindo os muçulmanos ao extermínio”, declarou a organização. A pressão sobre a envelhecida direção da Irmandade Muçulmana foi tão forte que Essam Erian, líder da maioria parlamentar antes do golpe, teve que divulgar várias mensagens gravadas pedindo urgência na continuidade dos “protestos pacíficos”.
No dia 25 de setembro, a Irmandade Muçulmana divulgou um comunicado insistindo na “resistência pacífica”. Segundo esta organização, “todos deveríamos resistir ao golpe e à opressão pacificamente e sem violência, de um modo civilizado. Os dirigentes golpistas e os opressores querem criar ondas de violência para usar como fachada para suas práticas policiais assassinas, nas quais se sobressaem”. Os islâmicos mais velhos justificam seu pacifismo alegando que se trata de advertências religiosas contra o derramamento de sangue.
Do ponto de vista político, ir contra as forças armadas, apoiadas e armadas pelos Estados Unidos, e contra as milícias pró-governamentais arrastará o país para uma guerra civil que só fortalecerá a hegemonia norte-americana e israelense, afirmam os mais velhos. Dificilmente serve de modelo a empobrecida e devastada Somália, acrescentam.
Para o especialista em movimentos islâmicos do Oriente Médio, Sami al Dalaal, “a democracia ainda é a principal opção para a maioria dos islâmicos. Há um medo válido de que alguns possam recorrer à violência, sem esperanças na democracia, como meio para uma mudança significativa”. Excluir grupos políticos pela força costuma levar à violência, acrescentou à IPS.
“Há precedentes. Quando os militares liquidaram a democracia na Argélia, para evitar entregar o poder aos islâmicos, estes não tiveram outra escolha a não ser iniciar uma revolução armada”, contou Dalaal, se referindo à sangrenta guerra civil que começou em 1992 na Argélia, quando os militares anularam as eleições, diante da evidente vitória que teriam partidos islâmicos. Pelo menos cem mil pessoas morreram nesse conflito que terminou em 2002.
Os protestos pró-democracia na Síria também começaram pacificamente, até que o presidente Bashar al Assad reagiu com violência e as imagens de fatos sangrentos se tornaram virais nas redes sociais, iniciando outra guerra civil. No Egito, onde as forças armadas não dão sinais de abandonar o uso excessivo da força, alguns jovens decidirem pegar em armas para se defender pode ser apenas questão de tempo. Envolverde/IPS