Egito: o regime militar continua de pé

Roma, Itália, julho/2011 – Como esquecer as imagens de alegria na Praça Tahrir, no Cairo, transmitidas pela televisão para o mundo inteiro na manhã de 11 de fevereiro, quando foi anunciada a renúncia de Hosni Mubarak, que estava no poder no Egito desde o distante 1981, por parte do recém-designado vice-presidente, Omar Suleiman? Os olhos de milhares de jovens egípcios deixavam transparecer suas grandes expectativas sobre o futuro de seu país e profundo orgulho pela coragem e tenacidade demonstradas naqueles 18 dias de manifestações.

O Conselho Supremo das Forças Armadas, uma vez avaliada a conveniência de abandonar seu próprio destino, assumia temporariamente o controle do país para encaminhar o delicado período de transição para a democracia. Por um momento, todos, ou quase todos, pensaram que já se entrara em uma nova era, em um “novo Egito”.

A experiência ensina que os processos de democratização não tomam forma somente com a realização de eleições nem chegam a bom termo no curso de alguns meses, mas que são fruto de um trabalho que envolve todos os estratos da sociedade. Na verdade, de todas as reformas reclamadas pelos manifestantes, quatro meses após a queda do regime pouco se viu.

E enquanto a transição prossegue em marcha forçada para eleições parlamentares, quase todas as forças em campo pedem ao exército que as adiem devido à falta de um quadro constitucional definitivo. A exceção fica com os Irmãos Muçulmanos e o que resta do dissolvido partido de governo, ou seja, os componentes mais estruturados e melhor organizados do enredado panorama político pós-Mubarak.

De modo que o momento é, no mínimo, delicado e marcado por uma progressiva polarização do choque, frequentemente violento, entre a frente liberal-secular e a frente islâmica, amplamente entendida, e pela fratura nem sempre evidente entre o movimento juvenil e os militares, comumente já não mais vistos como garantidores das instâncias de liberdade e justiça, mas como parte do velho regime em luta por sua própria sobrevivência. Os militares são criticados, entre outras coisas, por terem proibido as manifestações pacíficas, imporem novamente a mordaça à imprensa, não falarem sobre o “teste de virgindade” realizado nas ativistas não casadas presas durante as manifestações de 9 de março, realizado com a desculpa de tutelar a honra das forças armadas para demonstrar que as mulheres ao chegarem à prisão já não eram virgens.

Há, ainda, outro aspecto do processo de democratização que desperta preocupação e que envolve a magistratura e os vértices militares: o ligado à “justiça de transição”, isto é, os procedimentos adaptados para levar à justiça os expoentes do velho regime acusados de crimes de natureza diversa.

Mubarak, sua mulher, depois libertada sob fiança, seus dois filhos, junto com uma série de ex-ministros e notáveis da velha classe dirigente, a chamada “camarilha de Alexandria”, foram presos sob a acusação de crimes de corrupção, peculato, abuso de autoridade e homicídio. Os procedimentos judiciais correspondentes foram conduzidos sem nenhuma transparência, com base em regras ad hoc de modo algum seguras, com acelerações improvisadas e juridicamente inexplicáveis.

Como a democracia não se constitui nem sobre a impunidade nem sobre a vingança, acreditamos que o governo interino deva facilitar o trabalho da magistratura, solicitando a criação de uma comissão investigadora internacional independente que cuide do processo probatório.

A criação desta comissão investigadora internacional seria um passo adiante na direção do “novo Egito”, hoje em dia muito semelhante ao “velho Egito”, o que demonstra o quão articulada e complexa é a transição do autoritarismo para a democracia. Nesta fase, falta à “Praça Tahrir” se reorganizar e reorientar suas energias no caminho para o Estado de Direito, a fim de que os cidadãos sejam colocados em condições de participar do processo de tomada de decisões do modo mais inclusivo possível. Envolverde/IPS

 * Emma Bonino é dirigente do Partido Radical e vice-presidente do Senado italiano. Saad Eddid Ibrahim é fundador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Ibn Jaldun.