Washington, Estados Unidos, 26/8/2013 – Enquanto o presidente Barack Obama continua avaliando como reagir diante do golpe militar no Egito e da violência que provocou, funcionários governamentais e analistas independentes estão cada vez mais preocupados pelo possível efeito da crise egípcia nas relações entre Estados Unidos e Arábia Saudita. Especialistas em política externa consideram que o decisivo apoio de Riad ao golpe permitiu ao novo homem forte egípcio, general Abdel Fatah al Sisi, reprimir livremente os seguidores da Irmandade Muçulmana e resistir à pressão do Ocidente.
Imediatamente após a derrubada do presidente Mohammad Morsi, em 3 de julho, a Arábia Saudita, apoiada por Emirados Árabes Unidos e Kuwait, prometeu ao Cairo uma ajuda financeira de US$ 12 bilhões. Com se fosse pouco, expressou sua disposição de também suprir a ajuda de US$ 1,5 bilhão que Washington entrega ao Egito anualmente, caso o governo de Obama decida suspendê-la como condenação ao golpe e à morte de aproximadamente mil manifestantes.
Talvez o mais preocupante para alguns analistas seja a linguagem excepcionalmente dura usada por funcionários sauditas contra os que, como os Estados Unidos, questionam a ação de Al Sisi. Desse severo discurso participa o próprio rei saudita, Abdalá bin Abdelaziz al Saud, que no dia 16 disse que seu governo se colocará “contra todos os que tentam interferir neste assunto interno” do Egito. E acrescentou que aqueles que criticam a resposta do exército egípcio simplesmente estão ajudando os “terroristas”.
Bruce Ridel, ex-analista de temas do Oriente Médio na Agência Central de Inteligência (CIA), disse que esses comentários “não têm precedentes”, ainda que o rei não tenha mencionado explicitamente Washington. Chas Freeman, veterano diplomata e ex-embaixador norte-americano em Riad durante a Guerra do Golfo de 1991, concorda com essa avaliação. “Não me lembro de nenhuma declaração tão crítica como essa”, afirmou à IPS, lembrando que se tratava da culminação de duas décadas de crescente exasperação saudita com a política externa dos Estados Unidos.
Riad está descontente com Washington por não ter freado as incursões militares de Israel nos territórios palestinos ocupados, bem como por ter permitido o fortalecimento da comunidade xiita no Iraque logo depois da invasão desse país em 2003, além de ter abandonado o presidente Hosni Mubarak no Egito, derrubado em 2011, e aprovar a Primavera Árabe.
“Nas últimas sete décadas os sauditas viam os norte-americanos como seus patrões, que manejavam os desafios estratégicos em sua região”, pontuou Freeman. Para ele, “agora a sociedade de Al Saud com os Estados Unidos não só perdeu a maior parte de seu encanto e utilidade como, do ponto de vista de Riad, se converteu em algo quase contraproducente em todos os sentidos”.
Em consequência, Riad agora aposta em uma “ativa defesa de seus interesses regionais”, opção que poderia desencadear grandes mudanças geoestratégicas no Oriente Médio, opinou Freeman, lembrando que “a Arábia Saudita já não considera os Estados Unidos um protetor confiável, por isso agora pensa por si mesma e atua em consequência”.
Para muitos analistas, incluindo Freeman, não passou despercebida a reunião do dia 31 de julho em Moscou, entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o príncipe Bandar bin Sultan, chefe do Conselho de Segurança Nacional e dos serviços de inteligência da Arábia Saudita. Segundo a agência de notícias Reuters, Bandar, que foi embaixador saudita em Washington por mais de duas décadas, ofereceu comprar armas russas no valor de US$ 15 bilhões e também coordenar uma política energética com os russos.
Riad se comprometeria a reduzir as exportações de gás natural do Catar para a Europa (que atravessa o território saudita e compete com o russo), enquanto Moscou diminuiria substancialmente ou poria fim ao seu apoio ao regime de Bashar al Assad na Síria. Embora Putin não tenha assumido explicitamente esse compromisso, Bandar abandonou Moscou entusiasmado pela possibilidade de uma maior cooperação estratégica, segundo informes de imprensa que causaram preocupação em Washington.
“Ao que parece, os Estados Unidos estão ficando à margem, apesar de Riad ter sido um estreito sócio diplomático durante décadas e vital para bloquear a influência russa no Oriente Médio”, escreveu Simon Henderson, analista no pró-israelense Washington Institute for Near East Policy. “Seria bom acreditar que a reunião de Moscou reduzirá significativamente o apoio da Rússia a Assad. No entanto, Putin abrirá uma brecha entre Riad e Washington”, afirmou.
A brecha se ampliou depois da sangrenta repressão das forças de segurança egípcias contra membros da Irmandade Muçulmana e após Washington demonstrar condenação ao golpe. Os Estados Unidos cancelaram os exercícios militares conjuntos previstos com o Egito para o próximo mês. Além disso, suspenderam o envio ao Cairo de aviões F-16 e poderá fazer o mesmo com um embarque de helicópteros Apache.
Por sua vez, Moscou, apesar de unir-se ao Ocidente no pedido de moderação e de soluções não violentas na crise egípcia, não criticou as forças armadas desse país. Pelo contrário, legisladores russos questionaram Estados Unidos e União Europeia por apoiarem a Irmandade Muçulmana.
“Está claro que Rússia e Arábia Saudita preferem que haja estabilidade no Egito e apostam em que os militares prevalecerão na atual crise”, segundo editorial publicado no dia 18 no site de notícias Alarabiya.net. Alguns observadores dizem que Moscou e Riad compartilham objetivos comuns, como conter o Irã, reduzir a influência da Turquia no Oriente Médio e cooperar em temas energéticos.
Ambos estão dispostos a fortalecer regimes autocráticos a fim de impedir o acesso de partidos islâmicos, particularmente da Irmandade Muçulmana. Porém, Mark N. Katz, especialista na influência da Rússia no Oriente Médio e professor na norte-americana Universidade George Mason, tem dúvidas sobre o êxito de uma aliança entre Moscou e Riad.
O analista observou que Bandar já tentara forjar laços com o governo russo, mas sem obter sucesso. “Não digo que não possa funcionar, mas esse tem sido seu cavalo de batalha” por anos, afrimou à IPS. “Não importa o que aconteça com os Estados Unidos, os sauditas não confiam nos russos e não querem que se intrometa na região. Tudo o que tem a ver com os russos os desagrada”, afirmou Katz, para quem as duras críticas do rei saudita são apenas um “chamado de atenção”. Envolverde/IPS